quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Como ser um professor de matemática

Carlos Frederico Vasconcellos

Carlos Frederico Vasconcellos fala para o Portal

No próximo dia 6 de maio será comemorado o Dia Estadual da Matemática. A data foi escolhida em homenagem ao aniversário do professor Júlio César de Mello e Souza, mais conhecido como Malba Tahan. Autor, entre outros livros, de O Homem que calculava, Mello e Souza também ficou conhecido em seu tempo por suas qualidades como professor de matemática ao buscar motivar seus alunos usando técnicas então pouco ortodoxas.

Aproveitando esse gancho, o Portal da Educação foi entrevistar o professor Carlos Frederico Vasconcellos, coordenador de Extensão em Matemática da Diretoria de Extensão do Cederj.

Professor de Matemática há 31 anos, tendo feito a maior parte de sua carreira na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde Fred, como é carinhosamente chamado por seus colegas, pôde desenvolver atividades de pesquisa, ensino e extensão, motivando estudantes a seguirem seu caminho.
De comum como Malba Tahan, Fred teve o interesse em matemática despertado pela dificuldade com a disciplina no início do curso técnico em eletrônica. Nesta entrevista, ele conta um pouco de sua trajetória bem como ressalta a importância de o professor, de qualquer área, formar uma base sólida na disciplina que ensina. Para ele, uma vez a pessoa tendo conteúdo, a forma de ensinar ela adquire na prática.

Como você resolveu estudar matemática?

Quem me influenciou foi o livro do Jairo Bezerra. Eu não fui bem no primeiro período do curso e o professor me disse que precisava fazer mais exercícios do livro. E comecei a fazer todos e aquilo começou a me interessar. Quando isso aconteceu, estava fazendo o curso técnico de eletrônica na Escola Técnica Federal (atual Cefet), lá pelos idos de 1965, e existem processos em eletrônica que você precisa conhecer matemática. Principalmente em eletricidade. Há problemas de capacitância e indutância que recaem em equações diferenciais. E comecei a me interessar. Passei no vestibular em Matemática na UFRJ e cada vez me interessei mais e mais. Acabou virando uma espécie de vício.
Depois que acabei o mestrado em 1974, fiz um concurso e de aluno virei professor. Depois do doutorado em equações diferenciais parciais/teoria de controle, virei professor adjunto e me envolvi, como todo professor com 40h semanais e dedicação exclusiva da UFRJ, em atividades de ensino e pesquisa, com trabalhos em física/matemática, em equações de diferenciais parciais. Fui convidado para fazer um pós-doutorado na França, justamente porque em meu doutorado fui mais influenciado por um grupo francês...

Por que o grupo francês?

Porque eles tinham um trabalho forte, por meio de meu orientador. Isso, é bom que se diga, é processo hereditário. Você tem um orientador e tem um grupo de pessoas que, apesar de ir aos Estados Unidos, foi influenciado por um grupo francês que desenvolvia pesquisa de ponta em uma linguagem muito adequada à brasileira na qual nós nos adaptamos muito bem. E começamos a contribuir. Então esse grupo, de equações diferenciais da UFRJ, contribuiu junto com o grupo francês, em algumas coisas. Daí, algumas pessoas foram fazer o doutorado na França e outras o pós-doutorado, que foi o meu caso. Esse grupo francês é muito vasto e está presente nas 13 universidades públicas da área de Paris. Eu passava três dias na Universidade de Paris XI, Centro d´Orsay, e passava os outros dois dias no Collège de France, que tem cerca de 500 anos de tradição em pesquisa. Lá, trabalhava em pesquisas sobre placas finas, processos de controle de reatores nucleares e processos de teoria de controle de equações de ondas. Trabalhei em vários aspectos disso. Primeiro na parte de estimavas puras em matemática e depois na parte de análise numérica.
Apesar desse trabalho em pesquisa, nunca deixei de dar aula. Sou um professor convicto. Quando voltei da França, dava aula no doutorado, no mestrado e na graduação. Também orientava alunos de iniciação científica, de mestrado e de doutorado. Nunca deixei de dar aulas porque é a forma de você atrair pessoas para o que você gosta.

Como você vê hoje o trabalho de educação a distância e de aperfeiçoamento de professores?

Francamente, foi um desafio muito grande. Você vem do ambiente universitário onde se está preocupado com a pesquisa, com o ensino de graduação, mas também com aquele envolvimento no ambiente universitário. No convite depois da Astreia (diretora da Extensão do Cederj, Astreia Barreto), senti um desafio. Era um ambiente que não estava acostumado, dar aulas para professores de nível médio. Mas acho que é um desafio importante. Todo matemático/professor tem que assumir um desafio desses, porque não se pode viver em um mosteiro, trancado, sem mostrar o que você sabe e sem fazer as coisas necessárias para o ensino. Acho fundamental para mim o aperfeiçoamento, a especialização, principalmente do professor do nível médio. Por quê? Porque ele é a ponte de apoio para a ciência no futuro. O profissional do ensino de nível médio, em geral com bom conteúdo, em especial na área de ciências - por exemplo exatas, biológicas, ciências sociais -, atrai pessoas interessadas para esses campos. Eles são os atratores de bons estudantes que podem vir a ser futuros pesquisadores, engenheiros projetistas etc. Isso só acontece tendo professores com conhecimento e que têm entusiasmo em ensinar. Acho que é uma oportunidade que nós temos. Como conheço o lado da pesquisa e do ensino, penso que é importante passar isso. Aliás, todo meu grupo é assim. Todos somos doutores ou mestres e com experiência fortíssima no ensino dentro da universidade pública.

Qual a importância dos cursos de atualização semipresenciais?

Essa oportunidade do ensino a distância serve de uma maneira muito importante para o professor. É difícil para ele conseguir tempo para entrar em uma sala de aula para fazer uma especialização, um mestrado. Às vezes por uma necessidade econômica, eles dão muitas horas de sala de aula. Conheço alguns que estão com 40h, 50h de sala de aula. Então, a única maneira dessas pessoas que querem se atualizar é via o ensino a distância. Contudo, se por um lado isso é uma grande oportunidade de a pessoa sentar e estudar sem ter um horário fixo, por outro lado exige do professor disciplina, porque ele não está na sala de aula, não tem alguém para lhe repassar um conhecimento. O professor que faz atualização a distância tem um roteiro, um livro preparado para esse tipo de ensino, onde os assuntos são dados com bastantes exemplos, bastantes exercícios para não se tornar monótono, e pode tirar dúvidas no horário disponível por telefone ou por e-mail. Assim, ele precisa de disciplina, ter um horário. Assim como para fazer ginástica na academia tem um horário, deve ter-se um momento reservado para a ginástica mental, durante o dia, uma vez ou três vezes na semana. Um horário, não importa qual, em que ele vai se desligar. O estudo requer uma disciplina. Nem tudo no estudo se faz com alegria, é preciso disciplina, assim como no esporte.

Como foi para o senhor essa mudança de ensino de presencial e semipresencial?

Como disse antes foi um grande desafio. Ainda tenho grande saudade e de vez em quando dou aula na UFRJ, no curso de mestrado. Tem vezes em que tiro dúvida do aluno, ele vem aqui e me pego procurando giz e apagador para começar a ensinar. Então, os alunos que estão interessados eu costumo trazer para cá (à coordenação), para explicar além. Temos tido um bom resultado com isso. Houve pessoas que, de repente, tinham um pouco de dificuldade de escrever Matemática com certo rigor devido a sempre ensinar, com muito tempo de sala de aula. Essas pessoas começam se disciplinar e escrever matemática de maneira correta, de maneira rigorosa, que é o nosso objetivo. Uma vez a pessoa tendo conteúdo, a forma de ensinar ela adquire na prática. Acho que depois dela saber, pode ir-se a algumas palestras com dicas de como ensinar. Agora, não há forma sem conteúdo. Na história da educação no mundo, as pessoas que são consideradas grandes educadores antes de mais nada tinham conteúdo. Pode contar: Paulo Freire, Montessori, Piaget e outros são pessoas que tiveram conteúdo forte e adaptaram esse conteúdo para ensinar aos outros. Essa é a realidade.

O que um professor pode fazer para se manter atualizado?

Ele pode fazer cursos presenciais, como os oferecidos nas universidades públicas de qualidade, ou esse curso semipresencial, voltado para o professor que não tem um horário definido para assistir aulas presenciais. São as duas formas que conheço adequadas para manter um conteúdo mais forte. A busca de informação via internet, desde que seja adequadamente orientada para não se perder, porque a rede é um mundo de informações...

Seria interessante visitar livrarias?

Não livrarias em si, mas bibliotecas especializadas de ciências. Posso citar dois exemplos. O primeiro é a biblioteca do Instituto de Matemática da UFRJ. Outro é o da biblioteca do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). Esta é a melhor da América do Sul e uma das mais respeitadas do mundo. Então visitar bibliotecas é fundamental. Às vezes, as livrarias... Infelizmente, não têm a informação mais adequada, exceto, talvez, para livros didáticos. Talvez livros mais avançados a livraria não tenha. Por isso, é preciso conhecer primeiro qual o livro que você quer e depois buscar em alguma livraria especializada do Rio ou de São Paulo. Mas é fundamental, porque esses livros são caros. Então, que se procure antes em uma boa biblioteca de estudos de ciências. Isso vale para qualquer área do conhecimento. A busca deve começar pela biblioteca. Voltando à internet, recomendo os sites da Sociedade Brasileira de Matemática ou da Sociedade Brasileira de Matemática Aplicada e Computacional. Agora, matemática também pode ser fonte de inspiração para boa literatura, como é o caso de O Último teorema de Fermat, de Simon Singh. Tem também outro livro interessante, esse mais indicado para o público jovem, que é O Teorema do Papagaio, de Denis Guedj.

Léo Silva, 3/5/2005

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