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sábado, 25 de fevereiro de 2012

Ensino superior de Matemática amplia campo de atuação

Ângelo Siqueira
  
Ângelo Siqueira mostra nessa entrevista os diferenciais do curso de Matemática da Unigranrio

Ângelo Santos Siqueira é mestre em Matemática Aplicada e Computação Científica pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), faz doutorado em Engenharia de Produção, com área de concentração em Pesquisa Operacional na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele é professor da Universidade Unigranrio, lotado na Escola de Educação, Ciências, Letras, Artes e Humanidades, onde coordena os Cursos de Graduação e Especialização em Matemática. Leia a entrevista que fizemos com ele para o Portal Unigranrio.

Unigranrio - Como é o trabalho de um profissional formado nesta carreira?

Ângelo Siqueira - Como professor, o matemático pode lecionar em escolas públicas ou particulares, nos ensinos fundamental, médio ou superior. Em geral, para esse último, necessita-se de mestrado ou doutorado. Em empresas, o matemático pode construir modelos que simulam situações reais, a fim de antever e prevenir problemas. Essas atividades combinam atuações em parceria com físicos, químicos, biólogos, engenheiros, administradores, entre outros. Ultimamente, a procura por matemáticos tem crescido, também, junto ao mercado financeiro.

Unigranrio - Quais são as maiores dificuldades encontradas no início da carreira?

Ângelo Siqueira - Geralmente, não há muitas dificuldades para o Licenciado em Matemática começar a trabalhar. Existe uma grande carência de professores de matemática para a Educação Básica. Dentro dos Ensinos Fundamental e Médio, existe boa parte da carga horária destinada ao ensino de matemática, o que reforça a necessidade de profissionais qualificados e bem formados.

Unigranrio - No curso, que disciplinas os estudantes encontram?
Ângelo Siqueira - Atualmente, as disciplinas do Curso de Matemática da UNIGRANRIO estão reunidas em quatro grandes grupos. O primeiro é formado por cadeiras de matemática para a Educação Básica; já o segundo é formado por disciplinas da área pedagógica. Quanto ao terceiro, ele é composto por cadeiras de matemática aplicada e física. Finalmente, o último grupo tem disciplinas de matemática pura. Existe uma relação com todas as disciplinas oferecidas pelo curso, no site desse curso, no Portal Unigranrio.

Unigranrio - Há disciplinas que você acredita serem mais importantes para a formação do profissional? Quais e por quê?
Ângelo Siqueira - Todas as disciplinas têm a sua importância na formação do profissional. Para lecionar na Educação Básica, o licenciado deve dominar assuntos como geometria, funções, análise combinatória, trigonometria, conjuntos, matrizes, etc. Para atuar no ensino superior, será necessário o conhecimento de cálculo, álgebra linear, equações diferenciais, teoria dos números, etc. E temos também as cadeiras da área pedagógica, que desempenham um papel importantíssimo, independentemente do nível que estejamos atuando.

Unigranrio - Quais são os desafios que os estudantes encontram nesse curso?
Ângelo Siqueira - Para se tornar um profissional de sucesso, o estudante necessita de dedicação, empenho, concentração e muita força de vontade. Depois de formado, o profissional precisa estar em constante aperfeiçoamento. Ele ainda pode fazer cursos, participar de congressos e eventos. A UNIGRANRIO, por exemplo, oferece os cursos de Especialização em Ensino da Matemática e Mestrado em Ensino de Ciências na Educação Básica.
Unigranrio - É preciso fazer estágio? Qual a importância do estágio?
Ângelo Siqueira - Sim. Durante o curso, o estudante fará dois estágios; um destinado ao ensino fundamental e outro para o ensino médio. É no estágio que o aluno põe em prática todo o conhecimento adquirido ao longo do curso. Para dar suporte aos estágios, temos também cinco disciplinas de Prática Docente, onde os alunos desenvolvem atividades com jogos matemáticos, modelagem matemática para o ensino e história da matemática.

Unigranrio - Esta é uma carreira em ascensão no mercado de trabalho? Por quê?

Ângelo Siqueira - A profissão de Professor de Matemática está em forte ascensão no mercado de trabalho, devido à constante carência de profissionais da área. Por outro lado, os salários são atrativos, com grande oferta de vagas para as escolas públicas, além da rede privada que oferece remuneração diferenciada para profissionais bem qualificados, com horário de trabalho bem flexível. Por estas razões, acreditamos que a profissão de Professor de Matemática ainda permanecerá em alta, por muito tempo.

Unigranrio - A carreira é idealizada? Os jovens esperam algo diferente do que encontram realmente no curso e no mercado de trabalho?

Ângelo Siqueira - Já houve época em que servir ao magistério era um ideal. Passamos por um período de desvalorização da classe, mas acredito que devido à enorme carência de professores, de uma maneira geral, possamos resgatar essa ideologia.

O curso possui uma matriz curricular alinhada com as necessidades do mercado de trabalho. Para nós, é motivo de orgulho ressaltar que os nossos ex-alunos de Matemática estão bem inseridos nesse campo de atuação profissional.


Unigranrio - Qual a responsabilidade social do profissional dessa carreira?

Ângelo Siqueira- A responsabilidade de um professor que atua na Educação Básica é enorme, pois o estudo de qualidade talvez seja o melhor mecanismo de ascensão social que um jovem possa ter. Sem uma boa formação, não há como garantir, no futuro, uma boa sustentabilidade, acrescida da visão empreendedora e de empregabilidade.

Unigranrio - Há um reconhecimento público desta carreira? Isso interfere no mercado de alguma forma?

Ângelo Siqueira - Sim, a sociedade tem pleno reconhecimento pelo papel social do professor, embora ainda persista descaso na área governamental.




Caro leitor, qual é a parte do texto que você concorda com Prof. Ângelo Siqueira?  E qual você discorda? Porque? 

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Referência:

Site: Noticias Unigranrio
Montagem: Mathuesmáthica

sábado, 31 de dezembro de 2011

Entrevista com o presidente da Sbem, Paulo Figueiredo Lima

Paulo Figueiredo
Presidente da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (Sbem), em segundo mandato, Paulo Figueiredo Lima é professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) desde 1980. Graduado em engenharia civil, com mestrado e doutorado em matemática, ele tem experiência na área de educação matemática, com ênfase nos seguintes temas: Educação básica, livro didático, didática das grandezas e medidas.

Em entrevista ao Jornal do Professor, Paulo Figueiredo aborda, entre outros assuntos, os resultados dos estudantes brasileiros no Pisa, a situação do ensino e dos professores de matemática no Brasil, jogos matemáticos e a missão da Sbem.

Jornal do Professor
– A matemática é uma disciplina difícil mesmo ou isso é um preconceito que ainda não foi superado? Qualquer pessoa é capaz de aprender matemática? O que é preciso para isso?

Paulo Figueiredo – É sempre uma temeridade adotar uma explicação simples para um fato tão complexo quanto o temor que é difundido com relação à matemática e o preconceito de que se trata de um conhecimento accessível a poucas pessoas. Mas, certamente há, hoje, um consenso de que é necessário mudar o enfoque do sistema educacional como um todo e dos que lecionam matemática em particular, com relação ao conteúdo a ser ensinado e também à maneira como o conteúdo é ensinado.

No início da formação escolar, a criança, a toda hora, revela sua curiosidade para conhecer o que se passa à sua volta e desenvolve atividades para descobrir o novo e para se adaptar ao mundo. Em particular, realiza atividades matemáticas de contar, ler e escrever números, medir, localizar-se, argumentar, entre outras, que devem ser reconhecidas e desenvolvidas na escola.

Nos anos seguintes, é necessário construir o letramento matemático mais avançado que inclui, entre outros conhecimentos e habilidades: identificar e realizar as operações numéricas, com papel e lápis, com calculadora ou mentalmente; fazer medições e estimativas; adquirir competências de leitura de informações gráficas, de visualização e de identificação de objetos geométricos, de localização e de orientação espaciais; compreender e utilizar as funções matemáticas básicas como modelos para resolução de problemas; selecionar, ler, interpretar dados estatísticos e tomar decisões com base nesses dados.

Além disso, ao longo de toda a trajetória escolar, é indispensável que se desenvolva a capacidade de sistematização e de organização lógica do pensamento que é tão presente na mtemática e tão importante no dia a dia de todos os cidadãos.

Todos esses conteúdos podem ser ensinados de uma forma estimulante, na qual as pessoas “entrem no jogo da aprendizagem” e mudem sua concepção sobre a matemática, deixando de considerá-la como um “bicho de sete cabeças”.


Jornal do Professor  – A que o senhor atribui os resultados obtidos pelo Brasil no Pisa, em matemática? É possível reverter essa situação?
Paulo Figueiredo – Devemos observar com cautela os resultados do Pisa. Muito se fala do Pisa e pouco se diz sobre ele, além da notícia do péssimo escore atingido pelo Brasil. Esse programa internacional, patrocinado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimentos Econômicos (OCDE), realiza uma avaliação em três áreas, e em cada edição, elegeu uma área principal: 2000 (Leitura), 2003 (Matemática), 2006 (Ciências). No Pisa, são escolhidas amostras de 4.500 a 10.000 estudantes de 15 anos de idade, em 57 países.

O teste do Pisa não avalia conteúdos curriculares de forma explícita, como se faz em muitos outros programas de avaliação em larga escala. Aplicado a jovens que concluíram oito ou nove anos de escolaridade, o teste visa medir seus “conhecimentos e habilidades em matemática, leitura, ciências e resolução de problemas” e procura identificar se esse jovem possui “conhecimentos e habilidades necessários para a adaptação bem-sucedida a um mundo em transformação”

Um conceito-chave no programa é o de letramento. Em particular: o letramento em matemática é a capacidade individual de identificar e compreender o papel da matemática no mundo, de fazer julgamentos bem fundamentados e de se envolver com a matemática de maneira a atender às suas necessidades atuais e futuras como um cidadão construtivo, consciente e reflexivo.

A idéia de letramento é permeada pela concepção de que a matemática é uma atividade humana exercida nos mais variados contextos, desde os mais comuns da vida cotidiana das pessoas até os mais complexos do campo da tecnologia e da ciência. É também permeada pela idéia de que a Matemática é uma fonte de modelos para a resolução de problemas nesses contextos.

Por sua vez, tais concepções implicam em uma formação matemática inovadora, que valorize o desenvolvimento de competências para selecionar e analisar informações, para raciocinar, para resolver problemas, para argumentar e comunicar-se com outros; enfim, uma formação que não valorize apenas o armazenamento de informações, a memorização e a repetição de procedimentos técnicos.

O que se diz acima pode ser confirmado com uma consulta aos documentos do Pisa, que são disponíveis na web. Nesses documentos, observa-se, em particular, que as questões da prova do Pisa são propostas em contextos significativos, muitos dos quais envolvendo questões práticas. Como exemplo, pode-se verificar uma unidade típica da prova do teste do Pisa/2003 que contém questões em torno de tarifas postais expressas em tabelas e em gráficos cartesianos.

Tornar realidade, para todos, uma formação matemática nos moldes acima referidos é uma tarefa indispensável, desafiadora, mas extremamente difícil. Não é por acaso que mesmo a potência hegemônica no mundo atual, os Estados Unidos, apresentem, no Pisa, um escore abaixo da média dos países participantes do programa.

Infelizmente, quando entram em pauta os maus resultados nas avaliações logo surgem as soluções milagrosas, muitas delas preconizando uma formação matemática conflitante com as concepções adotadas no Pisa. Se tais soluções prevalecessem, poderíamos até mesmo piorar nosso desempenho no Pisa...

As considerações acima não devem levar à conclusão errada de que devemos desprezar os resultados do Pisa. Pelo contrário, é do senso comum constatar que a educação em nosso país vai mal e, em particular, que a formação matemática de nossos cidadãos é muito deficiente. Os resultados da avaliação do Pisa, que não se afastam muito dos resultados observados nas inúmeras avaliações nacionais e estaduais – Saeb, Prova Brasil, Enem, entre outras – parecem confirmar o que aponta o senso comum.

O que é necessário é uma análise cuidadosa para ultrapassarmos o senso comum, compreender melhor a realidade e, assim, poder transformá-la de modo mais eficaz. Periodicamente, quando são divulgados os resultados de avaliações, a do Pisa em particular, aparecem muitos diagnósticos taxativos, apontando este ou aquele fator como o grande responsável pelo “fracasso da educação brasileira”.

Na realidade, há um conjunto complexo de fatores que afetam negativamente a qualidade da educação básica em nosso país, muitos deles estreitamente ligados às persistentes desigualdades sociais. Fatores que intervêm em particular no campo da formação matemática. E, hoje, o dilema é ter de se atribuir, ao mesmo tempo, caráter prioritário, a muitos desses fatores. Todos concordam, no entanto, com a grande importância do professor em todo o processo educativo.

Jornal do Professor  – Como o senhor vê a formação de professores de matemática no Brasil hoje? É possível melhorar? De que forma? Por que há falta de professores de matemática no Brasil? Qual a solução?

Paulo Figueiredo – O profissional que leciona matemática, desde o que atua nos anos iniciais até o professor do ensino médio vive, no momento atual, sua prática profissional com enormes dificuldades. Ele é mal remunerado; trabalha em condições adversas, muitas vezes em três turnos diários; teve uma formação inicial deficiente, tanto na matemática como no campo didático-pedagógico; e tem poucas oportunidades de continuar sua formação na sua vida profissional, entre outros obstáculos.

Essas condições adversas têm afastado da sala de aula mesmo os licenciados em matemática existentes em algumas regiões do país. Quando se fala em falta de professores de matemática é preciso que se tenha em conta que isto de fato ocorre em muitas regiões do país em particular nos municípios do interior. No entanto, em outras regiões, estima-se que haja licenciados em número suficiente para a demanda do sistema escolar. O que ocorre é que esses licenciados em matemática preferem o exercício de outras profissões que oferecem melhores condições de trabalho e de remuneração.

Pensar em mudar a educação básica em matemática sem modificar este quadro indesejável não parece minimamente eficaz. Além disso, é urgente que se abandone, na formação do professor e em sua prática de sala de aula, a concepção, hoje dominante, que só leva em conta o ensino, em benefício de outra em que se valorizem igualmente o ensino e a aprendizagem. Ensinar sem que a criança e o jovem aprendam é, obviamente, uma inutilidade.

Daí porque é preciso levar em conta os avanços científicos no campo da cognição, que nos falam de como as crianças e os jovens incorporam e desenvolvem o conhecimento. Entre outras conseqüências, isso conduz a uma concepção nova do erro do aluno, que passa a ser uma janela para se compreender seu modo de pensar sobre as questões que lhe são propostas.

Infelizmente, no país, ainda prevalece o ensino que dá mais ênfase à nomenclatura e aos conhecimentos técnicos do que às idéias da matemática; que prioriza a memorização de procedimentos em detrimento da capacidade de resolução de problemas com o emprego da matemática. É a matemática da decoreba.

O que é pior: muitas propostas, ditas inovadoras, não fogem desse modelo, mesmo quando vêm apresentadas em vistosas e enganadoras embalagens tecnológicas. Outras, igualmente danosas, prometem ao professor um ensino em que ele não precisa preparar suas aulas, que já vêm prontas, e ao aluno uma aprendizagem rápida e eficiente. Uma solução em que o professor não precisa pensar e o aluno aprende sem esforço... Além disso, a questão do professor é inseparável dos dilemas da nossa escola atual, que é o seu campo de trabalho.

A escola é o campo privilegiado para o letramento em seus níveis progressivos. E, em nosso país, é lamentável o número de escolas desvinculadas da comunidade; com infraestruturas físicas precárias; desorganizadas pela má gestão e pela ausência de um efetivo projeto pedagógico. Além disso, é muito pequeno o tempo que as crianças e os jovens passam nas escolas, nas quais pouco se desenvolvem atividades esportivas e culturais. Interferir para que se superem tais deficiências é, também, tarefa prioritária para que se mude o quadro da educação básica em nosso país.

A despeito desses “pecados capitais”, o ensino da matemática pode contabilizar algumas “virtudes”, que, mesmo de brilho limitado, apontam na direção da mudança do quadro insatisfatório que todos diagnosticam.

Houve inegáveis avanços nas propostas curriculares no país. Os Parâmetros Curriculares Nacionais – tanto para o ensino fundamental como para o ensino médio – incorporam concepções atuais no campo da educação matemática e estão em sintonia com propostas curriculares de muitos outros países. Um grande número de propostas curriculares estaduais ou municipais é de boa qualidade e harmoniza-se com as idéias centrais dos PCN. O maior entrave, neste item, é que tais propostas curriculares ainda não chegaram, efetivamente, às salas de aula.

O livro didático de matemática, ao longo dos últimos anos tem sido adquirido e distribuído para todas as escolas públicas do ensino básico, pelo Ministério da Educação. A avaliação dessas obras, promovida pelo MEC, foi um fator de inegável melhoria na produção de livros didáticos de matemática, alguns dos quais já atingem o nível de muito boa qualidade. Além disso, muitos desses livros estão em consonância com os parâmetros curriculares mais atuais. No entanto, os efeitos positivos dessa política são muito atenuados pelo fato de que os sistemas educacionais pouco ou nada fazem para incluir a discussão do uso do livro em sala de aula nas formações continuadas que realizam. Tudo se passa como se o programa do livro didático se encerrasse com a chegada do livro na sala de aula.

O ensino básico no Brasil, em particular o de matemática, tem sido capaz de formar uma elite que vem se destacando no panorama científico nacional e internacional. Convém mencionar que na mesma altura em que se divulga amplamente a posição brasileira de “quase-lanterna” na avaliação do Pisa, é preciso colocar na grande mídia que a conceituada revista norte-americana The Scientist aponta o Brasil com um destacado 11º lugar no campo da pesquisa científica mundial. Os profissionais brasileiros nos diversos campos das ciências, da engenharia, da medicina, da informática, entre outros, ocupam lugar de destaque nos âmbitos nacional e internacional. E praticamente todos eles vieram da escola básica brasileira. Aprenderam matemática nas salas de aula do Brasil. O que ofusca o brilho desses avanços é que o país precisa de muito mais profissionais de ciência e tecnologia do que o contingente formado atualmente. Além disso, ao não se estender a todos os 56 milhões de alunos matriculados no ensino básico uma formação de boa qualidade, perde-se a batalha pela eqüidade social e desperdiçam-se os talentos de milhares de futuros profissionais de ciência e tecnologia, necessários para o avanço e a autonomia de nosso país.

Jornal do Professor  – É possível aprender matemática brincando?

Paulo Figueiredo – Não há dúvida que a dimensão lúdica da matemática está bastante ausente no ensino dessa disciplina, embora nos anos iniciais esta deficiência seja mais atenuada. Isto deveria mudar, em virtude do papel importante que as atividades lúdicas envolvendo a matemática podem desempenhar na sala de aula.

Vem de longa data o interesse pelos jogos matemáticos (ou como chamam alguns “matemática recreativa”), e existe, hoje, uma extensa bibliografia sobre o tema e um crescente interesse dos professores para incorporá-lo em sua prática pedagógica. No entanto, devemos evitar uma concepção superficial do emprego de jogos na aprendizagem da matemática.

Os jogos devem ser encarados como situações-problema com base nas quais podem ser tratados conceitos e relações matemáticas relevantes para o ensino básico e vários aspectos têm sido apontados como pedagogicamente relevantes nas experiências com jogos na sala de aula de matemática.

Em primeiro lugar, menciona-se a necessidade de desenvolver a dimensão lúdica, importante para o desenvolvimento integral do aluno. Os jogos são, ao lado disso, um elemento que favorece a inserção do aluno em sua cultura, na medida em que a dimensão lúdica está enraizada nessa cultura. Os jogos seriam, assim, mais uma forma de exploração da realidade do aluno. Em segundo lugar, argumenta-se que idéias e relações matemáticas importantes estão presentes numa enorme variedade de jogos e por em meio desses jogos é possível um encontro inicial e estimulante com tais idéias.

Além disso, a busca de estratégias para a vitória ou para solucionar um desafio inclui, via de regra, uma variedade de questões de lógica ou de Matemática, das elementares até problemas não resolvidos por especialistas. Este fato possibilitaria a exploração de um mesmo jogo em diversos níveis, dependendo do estágio dos participantes.

Os jogos matemáticos fornecem uma excelente oportunidade para que sejam explorados aspectos importantes da metodologia de resolução de problemas, que tem sido muito defendida no ensino da matemática. No âmbito pedagógico, é fundamental o aspecto interativo propiciado pela experiência com jogos matemáticos. Os alunos não ficam na posição de meros observadores, tomando conhecimento de novos fatos, mas se transformam em elementos ativos, na tentativa de ganhar a partida ou na busca de um caminho para a solução do problema posto a sua frente. Certamente que tal atitude é extremamente positiva para a aprendizagem das idéias matemáticas subjacentes aos jogos. Além do mais, a vitória numa partida ou a descoberta da solução de um desafio são experiências relevantes para fortalecer a autoconfiança, tão indispensável ao processo de aprendizagem. É bom notar, em contrapartida, que as derrotas repetidas e os insucessos frequentes diante dos desafios podem levar a frustrações e reforçar a idéia de incapacidade para compreender os fatos na área da matemática.

O caráter recreativo da experiência com jogos tem sido apontado com um dos méritos dessa experiência no sentido de tornar mais atraente a matemática para aqueles alunos que desenvolveram reações a lidar com esse conhecimento. Outro mérito seria o de contribuir para atitudes positivas de convivência pois, nos jogos não individuais, o aluno é chamado a negociar as regras do jogo, a respeitá-las, a colaborar com seus parceiros de jogo, a saber perder e a saber ganhar.

Deve-se advertir, no entanto, que não é uma tarefa fácil trazer os jogos matemáticos para a escola básica. A complexidade de alguns jogos, mesmo aqueles mais comuns, requer, de um lado, clareza sobre os vários conceitos matemáticos envolvidos e, de outro, um planejamento do momento e da maneira adequados para a sua utilização no processo de ensino e aprendizagem, para que seja garantida a riqueza conceitual, o prazer em participar da atividade e a conquista da autoconfiança.


Jornal do Professor  – Qual é a missão da Sociedade Brasileira de Educação Matemática? Ela desenvolve algum projeto voltado para professores da educação básica?
Paulo Figueiredo – A Sbem, fundada em 1988, é uma entidade civil de caráter científico e cultural, sem fins lucrativos e sem qualquer vinculação político-partidária ou religiosa. De acordo com seu estatuto, a Sbem tem por finalidade congregar profissionais e estudantes que atuam em educação matemática para promover o desenvolvimento dessa área do conhecimento.

Como associação científica, a Sbem tem expandido sua área de atuação e conta, atualmente, com diretorias regionais em 24 unidades da Federação, que reúnem cerca de 15.000 associados. Ela mantém um periódico - Educação Matemática em Revista - com 25 números publicados. Mais recentemente, criou a Biblioteca do Educador Matemático, com quatro obras publicadas, que procura levar aos professores as produções dos pesquisadores da área.

 
Caro leitor, qual é a parte do texto que você concorda com Prof. Paulo Figueiredo?  E qual você discorda? Porque? 

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Referência:

Site: Portal do professor

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O uso do Cabri nas séries iniciais do Ensino Fundamental

Dra. Sandra Magna
Professora Dra. Sandra Magina é PhD em Educação Matemática pelo Instituto de Educação, Universidade de Londres, Prof. do Mestrado da Educação Matemática da PUC-SP e bolsista pesquisadora do CNPQ.



PERGUNTA: Temos conhecimento de diversas pesquisas que enfocam o ensino-aprendizagem da Geometria e que usam o CABRI. Só no Mestrado em Educação Matemática da PUC/SP, por exemplo, existem 6 dissertações que discutem esse aplicativo como uma ferramenta poderosa na formalização de conceitos nessa área da Matemática. No entanto pouco ou nada tem sido dito, ou pesquisado, sobre o uso do CABRI nos dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental.

Podemos então concluir que o CABRI é um aplicativo destinado para o ensino de uma Geometria mais analítica? Isto é, para a Geometria que é ensinada a partir da 5a série?

DRA. SANDRA MAGINA: Não, não podemos concluir isso. De fato existem poucas pesquisas abordando o uso do CABRI para as séries iniciais, mas elas estão começando a surgir.

Em 98 foi publicada na França uma tese de Doutoramento voltada para pesquisa em Geometria nessas séries, a qual usou CABRI.
Aqui no Brasil, tem o grupo do PROEM-PUC/SP que vem usando o CABRI na formação de conceitos geométricos básicos, com êxito. Podemos falar de 3 ações bem eficientes do grupo nessa direção:

a) um projeto de pesquisa desenvolvido no âmbito do ensino público, financiado pela FAPES, o qual foi concluído no final do ano passado e cujas publicações já estão saindo.

b) o livro da coleção PROEM "Explorando os Polígonos nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental" de minha autoria em parceria com Nielce Lobo da Costa, Lulu Healy & Ruy Pietropaolo, voltado para o professor I e que propõe trabalhos bastante interessantes para serem feitos nessas séries.

c) Os cursos, de 8 horas, com realização contínua, voltados para professores das séries iniciais do Ensino Fundamental, não especialistas em Matemática, mesmo que com pouca familiaridade com a ferramenta computador.

PERGUNTA: Em sua opinião existe dificuldade para o uso do CABRI nas séries iniciais do Ensino Fundamental? Se sim, em que reside esta dificuldade e qual sua sugestão para superá-la?

DRA. SANDRA MAGINA: Eu não vejo nenhuma dificuldade nesse sentido, pelo contrário, vejo muitas vantagens em se introduzir os conceitos geométricos já a partir de uma abordagem dinâmica. O CABRI possibilita um bom trabalho com a geometria de transformação, principalmente os temas rotações e simetrias; o uso grade, que coloca uma malha em um sistema de coordenadas, em tudo é superior ao papel milimetrado.

Especificamente para o uso com crianças menores as novas ferramentas disponíveis no CABRI II - animação, preenchimento de cor e rastro - somado com uma maior quantidade de cores e espessura do traço, tanto estimula visualmente a criança quanto motiva e ainda facilita na compreensão dos atributos geométricos.

Eu acredito que a maior dificuldade reside mesmo no pouco preparo que o professor dessas séries têm sobre o conteúdo geométrico, o que poderia levar a um uso do CABRI como um instrumento de desenho e não de construção de conceitos geométricos. Mas também isso tem seu lado positivo, pois aprender Geometria no ambiente CABRI pode ser uma divertida aventura para esses professores.

Para concluir, eu gostaria de frisar que, embora eu seja totalmente a favor do uso desta ferramenta em sala de aula, isto não significa afirmar que o seu uso excluiria o uso de outras ferramentas educacionais no ensino da Geometria, tais como sólidos geométricos, barbantes, régua, canudos, objetos do cotidiano, etc.

Na verdade, apesar de ver o CABRI como um instrumento poderoso, ele, por si só, não basta e nem garante o processo ensino-aprendizagem. É preciso a presença do professor como mediador desse processo, como aquele que definirá quando, como e onde usar esta ou aquela ferramenta; é ele quem elaborará as atividades visando a interação do aluno com o objeto geométrico.

PERGUNTA: Quando pensa-se no uso da informática para as séries iniciais, pensa-se imediatamente em trabalhar com a linguagem LOGO ou com o com aplicativos de pintura.

A profa. lançou recentemente um livro destinado a professores das séries iniciais, onde a Sra. propõe trabalhar com o CABRI nessas séries.

Isto significa que sua proposta é a substituição do LOGO pelo CABRI? Se sim por que? Se não, como a profa. analisa o uso dessas duas ferramentas?

DRA. SANDRA MAGINA: Novamente eu inicio minha resposta negando. Negando não a publicação do livro, mas sim a substituição do uso do LOGO por CABRI. O CABRI é um micro-mundo geométrico cuja influência do ambiente LOGO é visível. Todos dois têm um suporte teórico construtivista, nos quais o aluno interage e se apropria da ferramenta no seu processo de construção do conhecimento. O LOGO, por se tratar de uma linguagem computacional, é mais amplo, voltado não apenas para conteúdos de Exatas (Matemática, Física), mas também para humanas (como linguagem por exemplo). Eu diria que eles se somam, são ferramentas importantes e poderosas que estão disponíveis para a Educação desde as séries iniciais.

Aproveito para, mais uma vez, enfatizar que não será nem o LOGO, nem o CABRI a trazer soluções definitivas e estáticas para a formação de conceitos geométricos. Isto tem que estar sempre na mente do educador. Eles são ferramentas e ferramentas só executam tarefas sob supervisão/orientação humana.

Outro ponto importante a se considerar é que, embora existam ferramentas mais poderosas, mais eficientes, que outras - o que não é o caso dessas duas ferramentas - elas sempre dependem do homem. Vejamos um exemplo: eu tenho em casa um multiprocessador que veio para substituir o meu antigo liqüidificador. Na loja o vendedor me afirmou que ele faz tudo o que o liqüidificador faz e muito mais, sendo portanto mais poderoso. Com o liqüidificador eu sei fazer vitaminas de frutas, sopa e maionese. De fato, com o multiprocessador eu posso fazer todas essas coisas e mais moer carne e posso ainda cortar em fatias cebola, batata, entre outras coisas. O multiprocessador é, então, uma ferramenta bem mais poderosa que o liquidificador. Só que tem um problema eu não sei usá-lo!!! E aí, qual das duas ferramentas tem mais poder, é mais eficiente na minha mão?

Não é porque eu tenho um piano em casa que vou garantir a composição de uma sinfonia; da mesma forma que um martelo não garante a construção de uma casa.

Por isso eu insisto na importância de se investir na formação do professor. No caso do trabalho usando a tecnologia, é imprescindível que ele domine a ferramenta - conheça seus recursos - mas igualmente é fundamental que ele discuta o seu uso tanto do ponto de vista pedagógico como de conteúdo. 

Caro leitor, qual é a parte do texto que você concorda com  Dra. Sandra Magna?  E qual você discorda? Porque? 

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Referência:

Site: Cabri
Site da imagem: PUCSP
Montangem: Matheusmáthica

sábado, 15 de outubro de 2011

Educação matemática: entrevista de Paulo Freire ao Prof. Ubiratan D'Ambrosio. Parte Escrita

Maria, Paulo e Ubiratan
Entrevista de Paulo Freire a Ubiratan D'Ambrósio e Maria do Carmo Domite Mendonça, na qual Freire fala sobre sobre a "educação matemática"

  

Maria do Carmo - Estamos aqui reunidos para uma conversa, um bate papo informal, com o Professor Paulo Freire e o Professor Ubiratan D'Ambrosio, sobre educação e educação matemática.

D'Ambrosio - Devo dizer que para mim é um privilégio raro poder entrevistar o mestre. Formalmente, nunca fui seu aluno, mas sou daquele exército de educadores do mundo inteiro que se consideram discípulos de Paulo Freire. Ter a oportunidade desta conversa é para mim uma grande honra.

Paulo Freire - Para mim também. Sobretudo compreendendo, como nós três aqui compreendemos, a continuidade desta conversa dentro de algum tempo mais na Espanha, diante de um grande número de matemáticos, de educadores que se metem com os problemas do ensino da matemática, da compreensão da matemática. Para mim também é uma grande satisfação estar nessa conversa e gostaria que ela até tomasse corpo imediatamente.

D'Ambrosio - Hoje nós todos reconhecemos o Paulo Freire grande filósofo que inspira uma serie de medidas novas em educação, propostas. É o nosso filósofo da educação. No inicio, há muitos anos, quando você começou a sua carreira, a sua grande preocupação parece ter sido, claro educação em geral, mas sempre se fala no Paulo Freire como ensinando, alfabetizando, ensinando a ler. Existe claro uma preocupação muito grande em todo seu discurso com a importância de o indivíduo se expressar, saber ler, participar do mundo. Eu pergunto: desde aquele momento até hoje, você vê uma importância equivalente em ele saber participar matematicamente do mundo. Você vê um equivalente ao literacy, uma forma de matheracy? Existe um equivalente matemático à alfabetização na sua obra?

Paulo Freire - Essa é uma pergunta primeira. É a primeira vez que eu me defronto com essa pergunta e eu acho que ela tem sentido. Tem sentido como uma pergunta não apenas feita a mim, mas feita a nós todos. Confesso que na época eu não pensei nisso. Não iria eu agora mentir e dizer ah, já naqueles anos, há quarenta anos atrás, eu já vivia pensando nisso. Não, na verdade eu não pensei nisso. Mas eu hoje entendo isso perfeitamente. Eu não tenho dúvida nenhuma da importância de qualquer esforço, que não deve inclusive ser um esforço exclusivo do matemático, professor de matemática por exemplo, mas que deveria ser no meu entender um esforço do homem e da mulher, matemático ou físico ou carpinteiro, que é exatamente o esforço de nos reconhecer como corpos conscientes matematicizados. 

Eu não tenho dúvida nenhuma de que a nossa presença no mundo, que implicou indiscutivelmente a invenção do mundo... Eu venho pensando muito que o passo decisivo que nos tornamos capazes de dar, mulheres e homens, foi exatamente o passo em que o suporte em que estávamos virou mundo e a vida que vivíamos virou existência, começou a virar existência. E que nessa passagem, nunca você diria uma fronteira geográfica para a história, mas nessa transição do suporte para o mundo e que se instala a história, é que começa a se instalar a cultura, a linguagem, a invenção da linguagem, o pensamento que não apenas se atenta no objeto que está sendo pensado, mas que já se enriquece da possibilidade de comunicar e comunicar-se. 

Eu acho que nesse momento a gente se transformou também em matemáticos. A vida que vira existência se matematiza. Para mim, e eu volto agora a esse ponto, eu acho que uma preocupação fundamental, não apenas dos matemáticos mas de todos nós, sobretudo dos educadores, a quem cabe certas decifrações do mundo, eu acho que uma das grandes preocupações deveria ser essa: a de propor aos jovens, estudantes, alunos homens do campo, que antes e ao mesmo em que descobrem que 4 por 4 são 16, descobrem também que há uma forma matemática de estar no mundo. 

Eu dizia outro dia aos alunos que quando a gente desperta, já caminhando para o banheiro, a gente já começa a fazer cálculos matemáticos. Quando a gente olha o relógio, por exemplo, a gente já estabelece a quantidade de minutos que a gente tem para, se acordou mais cedo, se acordou mais tarde, para saber exatamente a hora em que vai chegar à cozinha, que vai tomar o café da manhã, a hora que vai chegar o carro que vai nos levar ao seminário, para chegar às oito. Quer dizer, ao despertar os primeiros movimentos, lá dentro do quarto, são movimentos matematicizados. Para mim essa deveria ser uma das preocupações, a de mostrar a naturalidade do exercício matemático. 

Lamentavelmente, o que a gente vem fazendo, e eu sou um brasileiro que paga, paga caro... Eu não tenho dúvida nenhuma que dentro de mim há escondido um matemático que não teve chance de acordar, e eu vou morrer sem ter despertado esse matemático, que talvez pudesse ter sido bom. 

Bem, uma coisa eu acho, que se esse matemático que existe dormindo em mim tivesse despertado, de uma coisa eu estou certo, ele seria um bom professor de matemática. Mas não houve isso, não ocorreu, e eu pago hoje muito caro, porque na minha geração de brasileiras e brasileiros lá no Nordeste, quando a gente falava em matemática, era um negócio para deuses ou gênios. Se fazia uma concessão para o sujeito genial que podia fazer matemática sem ser deus. 

E com isso, quantas inteligências críticas, quantas curiosidades, quantos indagadores, quanta capacidade abstrativa para poder ser concreta, perdemos. Eu acho que nesse congresso, uma das coisas que eu faria era, não um apelo, mas eu diria aos congressistas, professores de matemática de várias partes do mundo, que ao mesmo tempo em que ensinam que 4 vezes 4 são 16 ou raiz quadrada e isso e aquilo outro, despertem os alunos para que se assumam como matemáticos.

D"Ambrosio - Em todo o seu discurso, a sua teorização, a sua prática, se vê a importância política da aquisição da linguagem. Você diz que o homem para ser livre tem que ser capaz de se expressar, tem que ser capaz de ler, ser capaz de discursar. Você vê alguma coisa equivalente no domínio da matemática? 

Paulo Freire - Eu acho que indiscutivelmente essa possível alfabetização da matemática, uma mate-alfabetização, math-literacy, eu não tenho dúvida nenhuma que isso ajudaria a própria criação da cidadania. E vou dizer como eu vejo, e não como se deve ver. Eu falo como eu vejo. Eu acho que no momento em que você traduz a naturalidade da matemática como uma condição de estar no mundo, você trabalha contra um certo elitismo com que os estudos matemáticos, mesmo contra a vontade de alguns matemáticos, tem. 

Quer dizer, você democratiza a possibilidade da naturalidade da matemática, e isso é cidadania. E quando você viabiliza a convivência com a matemática, não há dúvida que você ajuda a solução de inúmeras questões que ficam aí às vezes entulhadas, precisamente por falta de um mínimo de competência sobre a matéria. E porque não está havendo isso? 

Porque a compreensão da matemática virou uma coisa profundamente refinada, quando na verdade não é e não deveria ser. Eu não quero com isso dizer que os estudos matemáticos jamais devessem ter a profundidade e a rigorosidade que eles tem que ter. Como o filosofo tem também que ser rigoroso, o biólogo, não é isso que eu digo. Mas o que eu digo é o seguinte: na medida em que você não faz simplismo, mas torna simples, a compreensão da existência matemática da existência humana, aí não há dúvida nenhuma que você perceberá a importância dessa compreensão matemática, tão grande quanto a linguagem.

Maria do Carmo - Essa é a matemática natural, a matemática que fala da quantificação natural. Então o menino pequeno tem alguma coisa a falar, por exemplo sobre a multiplicação como ele entende, e o professor não vê isso como sendo válido. É uma outra visão de matemática.

Paulo Freire  - Isso não se dá apenas com a matemática, isso se dá com a presença do homem e da mulher no mundo. Eu acho que tem muito que ver com um certo desprestígio do senso comum. Isso tem muito que ver com a postura elitista da escola, relegando toda a contribuição que o aluno possa dar à escola. No fundo, é a super-valoração do conhecimento chamado acadêmico diante da desvalorização do conhecimento comum. É a posição epistemológica segundo a qual entre um e outro conhecimento você tem uma definitiva ruptura. 

No meu entender o que há não é uma ruptura, o que há é uma superação. Uma das coisas que a escola deveria fazer, e eu venho insistindo nisso há 30 anos ou mais, e fui muito mal entendido, e ainda hoje continuo a ser, mas no começo fui muito menos entendido, quando eu insistia que o ponto de partida da prática educativa deve ser não a compreensão do mundo que tem o educador e o seu sistema de conhecimento, mas a compreensão do mundo que tem, ou que esteja tendo, o educando. 

A gente parte do que o educando sabe para que o educando possa saber melhor, saber mais e saber o que ainda não sabe. Eu acho que está nesse desrespeito, que é um desrespeito elitista, está na superação desse desrespeito, está no aprofundamento de uma postura democrática, eu acho a superação desse ser.

Maria do Carmo - É um elemento de ordem epistemológica querer que o aluno conheça melhor, mas é um desrespeito.

D"Ambrosio - O aluno vai para a escola para receber.

Paulo Freire  - É isso, e ele inclusive está convencido disso.

D"Ambrosio - Para levar adiante essa nova postura pedagógica é necessário mudar o professor. A maneira como o professor tem sido formado tem sido fundamental, e eu sei que um dos seus projetos atuais é escrever um livro sobre formação de professores. Daria para falar um pouco sobre isso, de uma forma mais dirigida à nossa preocupação, como educadores matemáticos? Como a formação de professores deve ser revitalizada nesse seu pensamento?

Paulo Freire - Eu estou realmente escrevendo um livro agora, que eu espero não seja nem um caderno nem um compêndio, um livro à minha maneira. O título provisório do livro vai ser formação docente e saberes necessários fundamentais à prática educativa crítica. A minha preocupação ao estar escrevendo esse livro é mostrar, às vezes até mais do que saberes, mostrar certas sabedorias indispensáveis a um professor, ou à formação do educador. 
Por exemplo, talvez o primeiro saber que deve virar uma sabedoria e que exatamente a gente incorpora é o seguinte: a prática educativa se funda não apenas na inconclusão ontológica do ser humano, mas na consciência da inconclusão. É em cima desses dois pés, de um lado a minha inconclusão, do outro a minha consciência da inconclusão, é aí que se funda a educação. A educabilidade humana não tem outra explicação senão nesta assunção de minha inconclusão consciente. Como também é ai que se fundamenta a minha esperança. 

Você imagine que incongruência seria que ser inconclusos como somos e conscientes da inconclusão, não nos lançássemos num permanente movimento de procura, de busca. O ser que não procura é aquele que sendo inconcluso não se sabe inconcluso. Exemplo: a jaboticabeira que eu tenho no quintal da casa é inconclusa também, porque o fenômeno da inconclusão é um fenômeno vital, não é exclusivo do ser humano. Mas o nível de inconclusão da jaboticabeira não tem nada a ver com meu nível de inconclusão. Ela é inconclusa, como é inconcluso meu pastor alemão no quintal, mas eles não se sabem inconclusos. 

No caso da gente, a gente assumiu a inconclusão e ao assumir a inconclusão, a gente é levada à busca. Seria um absurdo buscar sem esperança. Eu posso até ao buscar não encontrar, mas a minha esperança faz parte do processo de buscar. Não há busca desesperançada. É um contra-senso. Esse saber ... nem sempre os educadores foram um dia desafiados para saber-se interminados. Eu estou escrevendo sobre isso. Um outro saber, que eu acho que é uma sabedoria já, sem a qual não dá para ir para uma escola, é o saber de que mudar é difícil mas é possível. 

Como é, Ubiratan, que tu poderias andarilhar pelo mundo como tu andas, na África, na Europa, nos Estados Unidos, discutindo o que é a matemática e discutindo como propor a matemática, se tu não estivesses convencido que um dia pode mudar. É o impulso. Esse saber precisa ser discutido, não imposto, mas tem que ser posto em cima da mesa, para que o jovem que está se formando para ser professor amanhã, repouse nesta verdade: eu me movo como professor porque apesar de saber quão difícil é mudar, eu sei que é possível mudar. Pode ser até que o agente da mudança mais radical não seja nem sequer minha geração, mas sem a minha geração a outra não vai mudar.

D"Ambrosio - Nós trabalhamos para um outro futuro, no qual nós acreditamos.

Paulo Freire - Exato. Um outro saber que eu preciso saber é que ensinar não é transferir conhecimento, transferir conteúdo. É lutar para com os alunos, criar as condições para que o conhecimento seja construído, seja reconstruído. Isso para mim é que é ensinar. Enquanto eu não estiver convencido disso, enquanto eu estiver pelo contrário convencido que ensinar é chegar às nove horas da manhã e despejar um discurso transferidor de objetos, e que são apenas perfis de objetos, que são os conteúdos, então eu não sei o que é ensinar, eu não sei o que é aprender. 
É preciso que eu, como professor, saiba que do ponto de vista histórico, o homem e a mulher primeiro aprenderam, para depois ensinar. O aprender precedeu sempre o ensinar. O que é que está acontecendo na sistemática da escola? O ensinar virou o mais importante, e o aprender foi burocratizado com a burocratização do ensinar. Na verdade, o que eu não posso é deixar de conhecer os dois em processo contraditório dialético, em que quanto melhor eu aprendo tanto melhor eu posso ensinar e quanto mais eu ensinar tanto melhor se pode aprender. 

Mas foi aprendendo socialmente que historicamente as mulheres e os homens descobriram no ato de aprender diluída a prática de ensinar. Um dia na história dos homens e das mulheres, um dia mais ou menos recente, é que descobriram que porque aprendiam era possível ensinar, e aí se sistematizou o trabalho de ensino. A gente perdeu essa noção da história e inverteu os papéis. Eu também estou escrevendo sobre isso. Eu acho que às vezes é preciso recuperar historicamente o grande papel de aprender, sem que isso signifique nenhuma diminuição do ensinar.

D"Ambrosio - A escola deve ser um ambiente, ser tornado um ambiente mais para compartilhar esse processo de busca, e não um ambiente onde se passa conhecimento.

Paulo Freire  - Claro. Poderia se pensar que eu estou defendendo aqui um papel subalterno para o professor. De jeito nenhum. Indiscutivelmente o papel do professor, o papel do ensinante, é um grande papel. Ele/ela tem uma grande responsabilidade de ensinar. E professor que não ensina não se justifica, ele não se explica a si mesmo. 

Agora, é preciso clarear e esclarecer o que significa mesmo ensinar. E quando a gente busca compreender na própria prática o que é ensinar, a gente tem que concluir que o próprio esforço do processo social da produção do conhecimento põe de lado qualquer possibilidade de transferir conhecimento. Eu produzo, eu crio, eu recrio o conhecimento, eu não engulo conhecimento. 

Eu me lembro de uma expressão irônica de Sartre, quando ele criticava o que ele chamava de concepção nutricionista do saber. Ele diz: trágica e dolorosa a concepção nutricionista do saber, em que o professor alimenta, e você vê as metáforas todas que a gente vê na linguagem comum para nos referir ao problema do conhecimento. Tem muito a ver com alimento. Você fala de fome de saber, sede de saber. Você não fala na curiosidade de saber. Você fala na sede do saber. Eu não tenho que beber saber, nem tenho que comer saber. Eu como uma feijoada, não conhecimento. Conhecimento eu produzo socialmente.

D"Ambrosio - A idéia da produção do conhecimento, sobretudo em matemática, parece que ficou muito esquecida.
 
Paulo Freire - Muito, muito, muito.

D"Ambrosio - Se produz muito pouco no sistema escolar. Eu acho que essa oportunidade desse papo com Paulo Freire foi realmente um momento muito importante para todos nós, e esses do congresso que nos assistem vão sentir aquela pontinha de inveja, porque nós tivemos o privilégio dessa conversa com o Paulo.

Paulo Freire - Eu quero mandar através de vocês que estarão lá, o meu grande abraço a todos e a todas que vão comparecer ao congresso e lhes dizer que minha ausência só se poderia explicar mesmo por uma questão de cuidados que eu e meus médicos estão tendo. Eles estão fazendo força, e eu concordo com o esforço deles, no sentido de ver se eu demoro um pouco mais no mundo. E com isso eu concluo.

Maria do Carmo - Gostaria também de agradecer estar com o Sr. Quando o Prof. Ubiratan começou dizendo que todos nós fomos, de algum modo, alunos de Paulo Freire, é verdade, mas nem todos conseguiram entender. Porque cada vez tem uma coisa nova. A gente está sempre aprendendo coisas novas. Os dois representam para nós uma mudança de modelo. o Sr. em geral, em educação, e o Prof. Ubiratan D'Ambrosio em educação matemática.

Paulo Freire - Com o D'Ambrosio você extrapola o adjetivo matemático e pode ficar só na educação mesmo. Eu acho que D'Ambrosio é na verdade até mais que um educador, ele é também um pensador da educação atual. Agora eu peço desculpas para vocês e eu vou correndo para o doutor.

Caro leitor, qual é a parte do texto que você concorda com Paulo Freire?  E qual você discorda? Porque? 

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Referência:
Site: Vello
Montagem: Matheusmáthica

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Ubiratan D' Ambrosio

Prof. Ubiratan
Ubiratan D' Ambrosio Professor emérito de Matemática da Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP, presidente do ISGEm/International Study Group on Ethonomathematics e presidente da Sociedade Brasileira de História da Matemática




Pergunta: Em que momento a tecnologia deve ser inserida no processo educacional de uma criança?

Prof. Ubiratan: "Eu costumo dizer que na hora que você dá uma mamadeira para uma criança, dê uma calculadora." Isso para enfatizar que a tecnologia está incorporada na vida da criança, pois ela está presente em toda nossa sociedade. Não deve haver hesitação na utilização da tecnologia. Quando é que você dá um relógio para uma criança? No momento em que ela se interessa pelo tempo. É o momento no qual ela passa a ter alguma atividade que tem uma hora para ser realizada.

Na hora que a criança quer ouvir uma música, ela tem um lugar onde ela aperta um botão para ouvir o rádio ou coloca um CD para funcionar. Você tem que desmistificar a participação da tecnologia no dia a dia das pessoas. A tecnologia tem que se tornar algo espontâneo, natural. Acho que esta é a grande característica dessa civilização tecnológica que nós vivemos hoje.    


Pergunta: Com a tecnologia em sala de aula, qual o papel do professor e do aluno?  Existe alguma mudança significativa? Quais são os desafios?

Prof. Ubiratan
: Os professores e os pais são muito menos ágeis que os mais jovens. É uma questão de geração. Os adultos levam muito mais tempo para assimilar a naturalidade da tecnologia, pois isso é novo para eles. Já as crianças nascem com isso. Essa é uma das razões da lentidão do uso e sobretudo da aceitação da tecnologia por grande parte dos adultos. No fundo, existe o medo de perder a autoridade, pois as crianças dominam os instrumentos com mais facilidade. Isso assusta sobretudo os professores.

Na presença da tecnologia, hoje inevitável, a grande mudança é fazer da educação um trabalho cooperativo. Educação hoje não é mais o professor passar algo para o indivíduo que está lá só para receber. O aluno e o professor estão num processo de troca de conhecimentos, de experiências e de expectativas. O aluno não entra na sala de aula somente para receber. Veja, uma criança de 10-12 anos quando olha o futuro, pensa em 2050. Quando eu penso em futuro, se eu pensar em 2010, estarei sendo muito arrojado. Educação tem tudo a ver com o futuro e o futuro está na cabeça das crianças e não na cabeça dos velhos. Se o professor está preparando as crianças achando que o futuro será parecido com o seu passado, estará sendo totalmente ingênuo. Na verdade o processo educacional é um processo de negociação, onde professores e alunos devem negociar trocas de conhecimentos, de experiências e de expectativas. Isso deve substituir uma relação de autoridade, de timidez e de passividade. Se o professor entrar no processo de negociar, as crianças vão se comportar muito melhor. Quando a criança olha para uma pessoa mais velha, ela sabe que essa pessoa viveu mais, conhece mais coisas do passado do que ela. Não existe nada melhor do que você conversar com alguém e saber que essa pessoa viu um acontecimento. As crianças são sensíveis a isso. Daí o interesse pelos contadores de histórias. Mas no momento que o professor tenta mostrar certeza sobre o que, evidentemente, ele não sabe e quase certamente não chegará lá, ele arrisca perder o respeito das crianças.

O professor tem que criar um clima de respeito mútuo. Como professor, respeite a criança que está pensando coisas de 2050, e ela o respeitará porque você viu coisas de 1970. Acho que é isso que deve negociado e trabalhado. O aluno dessa maneira também se sentirá valorizado. O professor chega assim em sala de aula, com a expectativa de utilizar um instrumento da geração do aluno, instrumento que o aluno usa no dia a dia. Para isso, o professor preciso do apoio do aluno e é nesse momento que se cria um clima mais favorável à educação.


Pergunta: Como o Sr. vê a aplicação de tecnologia no ensino da matemática?

Prof. Ubiratan: Vou pegar como exemplo o caso da geometria. Grande parte da matemática que a gente faz, foi desenvolvida com pauzinho escrevendo na areia e depois com papel e lápis, quadro-negro e giz. Sempre tivemos à disposição uma borracha ou um apagador. A dinâmica da utilização dos instrumentos com os quais trabalhávamos a geometria era outra. Hoje, faz-se geometria com o mouse, o que é completamente diferente de fazer geometria com o papel e o lápis, ou com o giz e quadro-negro. Tudo é hoje muito diferente e tudo isso faz com que as representações do espaço, que é ponto de partida para a geometria, sejam diferentes. A geometria nasce de representarmos um fato e trabalharmos sobre essa representação. Essa representação hoje se faz hoje de outra maneira. O mouse não é lápis nem giz. Possibilita outras maneiras de trabalhar. Essa tecnologia traz utilidades que não existiam antes, e devemos utili-zá-las. Se as soluções tecnológicas facilitam nossa vida em vários setores da sociedade, porque não também no ato de aprender?


Pergunta: O que falta para uma maior disseminação do uso de tecnologia nas escolas, tanto nas escolas pública quanto nas privadas? Equipamentos, capacitação?

Prof. Ubiratan: Eu acho que tem havido muito esforço para colocar equipamentos nas escolas. Quando eu participava de projetos educacionais e dava pareceres sobre projetos, nunca notava falta de equipamentos nem falta de programas de treinamento. Mas sempre notava falta de medidas para mudar a atitude dos professores. Não adianta dar equipamento nem treinamento, se não houver mudança de atitude. É o momento de quebrar preconceitos, medo, quebrar o paradigma e passar para a educação de cooperação. Esse é o caminho.


Caro leitor, qual é a parte do texto que você concorda com Prof. Ubiratan?  E qual você discorda? Porque? 

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Referência:

Site: Cabri

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

"A concentração e o esforço são pouco valorizados na nossa sociedade"

Nuno Crato
Nuno Crato é doutorado em Matemática Aplicada pela Universidade de Delaware, nos Estados Unidos, onde trabalhou durante 20 anos. É também investigador, professor universitário e presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática.




Nuno Crato é membro de várias sociedades científicas internacionais, sendo em 2006 presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática. Tem trabalhos de investigação publicados em diversas revistas internacionais e está empenhado na divulgação científica, colaborando regularmente com vários órgãos de comunicação social. A Sociedade Europeia de Matemática atribuiu-lhe, em 2003, o primeiro prémio do concurso Public Awareness of Mathematics pelo seu trabalho na divulgação da matemática.

No seu livro, intitulado O «Eduquês» em Discurso Direto - Uma crítica da pedagogia romântica e construtivista,, procura demonstrar «o vazio dos conceitos» e critica «a ideologia frouxa que está por detrás de uma linguagem mole e palavrosa a que se tem chamado eduquês».

EDUCARE.PT - Na sua opinião, quais são atualmente as questões mais preocupantes na Educação em Portugal?

Nuno Crato - É difícil traçar um quadro sistemático dos problemas da Educação, mas posso adiantar alguns que me parecem muito importantes. 

Em primeiro lugar, o abandono escolar, que atinge uma fração muito elevada dos jovens e leva muitos futuros adultos a enfrentar a vida sem o mínimo de qualificações necessárias. É um grande problema económico e social que se está a criar.

Em segundo lugar, a larguíssima percentagem de estudantes que, apesar de se manterem no sistema de ensino e nele progredirem, pouco aprendem e arrastam deficiências básicas a Português, Matemática, História e outras disciplinas cruciais. Em terceiro lugar, a formação, seleção e promoção de professores, que não é feita de forma a privilegiar o conhecimento das matérias, a capacidade pedagógica e o mérito.

Em quarto lugar, o centralismo ministerial que retira às escolas a possibilidade de contratarem os melhores professores, arranjarem soluções adequadas às suas especificidades, etc.

Em quinto lugar, a indisciplina. 

Enfim, há muitos problemas. Um deles, e é sobretudo sobre esse que se centra o meu livro «Eduquês», são as ideias românticas, dogmáticas, absurdas e, por vezes, de um irracionalismo delirante que muitos teóricos da educação fizeram vingar no discurso educativo.


EDUCARE.PT - Como por exemplo?

Nuno Crato É fácil dar exemplos e o meu livro está cheio deles. Quando se diz que é preciso reduzir o papel da Matemática como elemento de seleção para assim combater o insucesso (pág. 54), está-se a ser racional? Ou quando se diz que se deve adaptar a Matemática aos interesses dos alunos (pág. 60)? Ou quando se afirma que não deve haver um currículo de referência e que se devem fomentar visões matemáticas alternativas (p. 61)? Ou, mais espantoso ainda, quando se diz que não se deve ensinar Matemática aos alunos pois eles são capazes de descobrir todos os conceitos por si próprios (pág. 110)? Que é tudo isto senão irracionalismo?


EDUCARE.PT - O seu livro é bastante crítico. Qual é a mensagem que pretende passar?

Nuno Crato -   A mensagem é simples: há um conjunto de ideias não fundamentadas que têm tido uma grande influência em Portugal e que são irrealistas e prejudiciais para o ensino. Sem as perceber e sem as discutir será difícil obter progressos. Ao contrário do que muitas vezes se apregoa, essas ideias não encontram fundamentação na psicopedagogia moderna, nem nas ciências cognitivas, nem nos estudos sociológicos. Têm, quando muito, fundamentação num construtivismo psicológico dogmático que está ultrapassado.


EDUCARE.PT - Como vê a atuação deste Governo na área do ensino?

Nuno Crato -   Não consigo dar-lhe uma resposta definitiva. Por um lado, vejo uma série de decisões e declarações acertadíssimas, por exemplo, a manutenção de exames a Português e Matemática no 9.º ano, os exames para a entrada na profissão dos candidatos a professores, a formação contínua em Matemática dos professores do 1.º ciclo... Por outro lado, vejo a inacreditável capacidade dos técnicos superiores do Ministério para transformarem em nulas muitas decisões positivas. Veja-se por exemplo a nova proposta de Estatuto da Carreira Docente e leia-se o que se diz sobre a função do professor. Aparece tudo, com toda a linguagem da «gestão de conteúdos programáticos», de «projetos de inovação» e do «trabalho em equipa», menos transmitir conhecimentos. Sendo assim, que sentido tem avaliar professores se a sua tarefa principal deixa de ser ensinar!?


EDUCARE.PT - Em que medida considera que a existência de mais exames, tanto para alunos como para professores, poderá melhorar a situação da Educação no nosso país?

Nuno Crato -   Concentrando-nos no Ensino Básico, verificamos que apenas existem exames externos a duas disciplinas e no 9.º ano. Ora, para perceber a realidade das escolas e dos alunos são necessários instrumentos de avaliação externa, tais como exames. Os problemas do ensino, que hoje todos concordamos serem muito graves, apenas começaram a ser discutidos seriamente quando passou a haver comparações internacionais (estudos TIMMS e PISA) e quando começou a haver exames com resultados conhecidos e divulgados. Antes disso, como mostro no meu livro citando vários responsáveis educativos, políticos e académicos, recusava-se admitir a existência de problemas. As comparações internacionais são importantes para perceber a gravidade da situação e os exames externos à escola são indispensáveis para aferir independentemente a realidade de cada aluno e atuar sobre ela.


EDUCARE.PT - A Matemática e as Ciências são duas das áreas que mais intimidam a maioria dos alunos e que maiores problemas levantam ao sistema educativo...

Nuno Crato -   Não creio que os problemas a Matemática sejam maiores que os de outras disciplinas, como o Português, a História ou o Inglês. O que acontece é que a matemática é mais dicotómica: quando se percebe o essencial tem-se muito ou mesmo quase tudo certo, quando não se percebe, tem-se tudo ou quase tudo errado, daí as assustadoras classificações que aqui se encontram. Além disso, a Matemática é mais cumulativa do que muitas outras disciplinas. Sem saber as operações algébricas básicas não se podem perceber equações lineares, sem perceber equações lineares não se podem perceber polinómios, e por aí adiante... Noutras matérias, as coisas não são exatamente assim. Em História, por exemplo, que não é nem mais fácil nem mais difícil do que a Matemática, é possível estudar e perceber muitas coisas sobre a queda do muro de Berlim sem ter percebido bem o que era a Idade Média, por exemplo.


EDUCARE.PT - Mas a Matemática tem, de fato, taxas elevadas de insucesso. Porque é que os alunos têm tantas dificuldades?

Nuno Crato Há variadas razões. Por vezes, os conceitos têm alguma dificuldade e é necessária concentração e esforço, coisa pouco valorizada na nossa sociedade e na nossa escola. Outras vezes, os professores não recebem a melhor preparação científica e pedagógica. Outras vezes ainda, acumulam-se dificuldades de uns anos para os outros, sem que a escola tenha capacidade ou vontade para voltar atrás e suprir as deficiências de alguns alunos. Noutros casos, a falta de avaliação externa faz com que muitos alunos progridam de ano quando não o deveriam fazer, ou deveriam fazê-lo mas recebendo atenção especial, e os professores não têm possibilidade de incentivar os melhores ao mesmo tempo que recuperam deficiências básicas nos pior preparados, que estão no mesmo ano e na mesma turma. Finalmente, a teoria pedagógica dominante é um obstáculo à resolução destes problemas. Veja-se o que aconteceu com os currículos, que foram substituídos por «competências» gerais vagas e palavrosas, veja-se a insistência dogmática na máquina de calcular e nas aplicações.


EDUCARE.PT - Poderia concretizar?

Nuno Crato -   Muitos teóricos da pedagogia dogmática que critico dizem, ainda hoje, que o problema da Matemática é não ser apresentada de forma contextualizada, devendo-se sempre partir de aplicações conhecidas do universo dos estudantes. Chega-se a dizer que no campo se devem usar exemplos de batatas e na cidade de prédios, o que é tratar os alunos como atrasados mentais e promover a sua limitação cultural. O que penso é que é necessário seguir métodos ecléticos, tanto partir de aplicações como partir da abstração, fazer as duas coisas ao mesmo tempo. A excessiva contextualização é um obstáculo ao treino específico de certas rotinas e procedimentos que, sendo dominados, permitem depois raciocinar melhor. E é também um obstáculo à capacidade de abstração, que deve ser desenvolvida em todas as etapas de aprendizagem, embora em níveis diferentes, claro.


EDUCARE.PT - Acredita na possibilidade de contrariar essa tendência e motivar os alunos para estas disciplinas?

Nuno Crato -   Acredito! Acredito na possibilidade de ensinar Matemática e Ciências. Não vejo as coisas exatamente como põe. Repare que a sua pergunta, ao falar da motivação, parece ou pode parecer pressupor que a motivação é o essencial e que, uma vez motivados, os alunos passarão a ter boas classificações nestas matérias. A motivação é fundamental, mas nem tudo vem dela.


EDUCARE.PT - O que é então essencial além da motivação e o que se pode fazer para que os alunos portugueses comecem a melhorar as suas prestações a Matemática?

Nuno Crato O que quero dizer é que não se pode subordinar tudo à motivação. Se o fizermos, apenas ensinamos o que motiva os alunos e há matérias que, pelo menos a princípio e para alguns, não são motivantes. Os alunos devem-se habituar a um esforço de apreensão de matérias, treino de rotinas e automatização de procedimentos, mesmo em tópicos que podem, à partida, não os motivar. Ou seja, é necessário caminhar nos dois sentidos. É preciso exercer alguma pressão moderada para que se apreendam conceitos e é preciso tentar mostrar o interesse do estudo.


EDUCARE.PT - Consegue ver aspetos positivos no sistema educativo português?

Nuno Crato -   Tudo tem aspetos positivos. Mas parece-me mais importante perceber os problemas de forma a conseguir ultrapassá-los. 



Caro leitor, qual é a parte do texto que você concorda com Dr. em Matemática Nuno Crato?  

E qual você discorda? Porque? 

O ponto de vista de Nuno sobre educação portuguesa parece ou não com educação brasileira?

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Referência:
Site: Educare.pt em 23/10/2006

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(Enem 2020) Suponha que uma equipe de corrida de automóveis disponha de cinco tipos de pneu (I, II, III, IV, V), em que o fator de eficiênc...