Conhecido pela capacidade de falar de
matemática de forma divertida, britânico lança obra recheada de enigmas até hoje indecifráveis e que valem um bom dinheiro
texto André Julião
Marcus du Sautoy entendeu ainda
cedo que a matemática não deveria
ficar restrita aos cálculos, fórmulas e
equações. Para ele, quase tudo pode ser
explicado em termos matemáticos, e o que
não pode é um mistério empolgante que
um dia ainda será resolvido. Esses enigmas
ainda não solucionados são o mote de
seu livro Os mistérios dos números – uma
viagem pelos grandes enigmas da matemática
(que até hoje ninguém foi capaz
de resolver), lançado no Brasil pela Zahar.
Mais do que um pesquisador na área,
Sautoy tem se notabilizado como divulgador
da disciplina. Ele escreve em revistas
de divulgação científica e jornais e é figurinha
fácil em programas de rádio e TV na
Grã-Bretanha. Seu talento para explicar matemática às massa rendeu-lhe a Cátedra
Simonyi para a Compreensão Pública da
Ciência da Universidade de Oxford, onde
Sautoy é professor. A cátedra foi criada em
1995, financiada pelo húngaro-americano
Charles Simonyi, antigo programador da
Xerox e da Microsoft famoso por ser o primeiro
homem a ir duas vezes ao espaço
como turista espacial. Sua intenção era
de que o premiado fizesse importantes
contribuições para a compreensão pública
de algum campo científico. Seu primeiro
titular deveria ser o evolucionista Richard
Dawkins. Sautoy sucedeu Dawkins em
2008, com a aposentadoria do polêmico
cientista militante do ateísmo.
Em Os mistérios dos números, Sautoy
apresenta de forma divertida conceitos que
podemos até ter visto na escola, mas cuja
apresentação provavelmente não foi tão
intrigante como a que ele faz. “O sistema
educacional opta por privilegiar o lado utilitário
e funcional da matemática e não as
belas e excitantes ideias. É como aprender
escalas e arpejos num instrumento musical
e nunca ouvir música de verdade”, disse
o autor por e-mail à Unesp Ciência, da
beira da piscina, enquanto aproveitava
um feriado na Inglaterra. “Este livro é meu
manifesto para o que deveria ser ensinado
nas escolas”, completa o professor.
No primeiro capítulo, por exemplo, em
que se dedica a mostrar os enigmas que
cercam os números primos, Sautoy usa o
exemplo de uma espécie de cigarra que
aparece nas florestas dos Estados Unidos e no Canadá a cada 17 anos (um número
primo, ou seja, divisível apenas por um
e si mesmo). O inseto, da espécie Magicicada
septendecim, passa todo esse tempo
debaixo da terra, sugando as raízes das
árvores para se alimentar. Em um dia de
maio do 17º ano de seu ciclo de vida, as
cigarras saem da toca e começam a cantar
umas para as outras. O barulho é tão
grande que muitas pessoas se mudam da
região nessa época. Depois de fertilizadas,
as fêmeas depositam os ovos na superfície
e, após seis semanas de muito barulho,
todas as cigarras morrem e a floresta fica
em silêncio pelos próximos 17 anos.
Encontro fatal
A teoria mais usada para explicar esse fenômeno
é a de que um possível predador
também costumava aparecer periodicamente
na floresta, sincronizando sua chegada
com a das cigarras, quando então podia se
banquetear delas. Com a seleção natural
regulando sua vida em ciclos de números
primos (existem ainda espécies que aparecem
a cada 13 anos, e outras a cada sete,
ambos igualmente números primos), as
cigarras se depararam com predadores
com muito menos frequência do que se
tivessem um ciclo de número não primo.
“Por exemplo, suponhamos que os predadores
apareçam a cada 6 anos. As cigarras
que surgem a cada 7 anos irão coincidir
com os predadores apenas a cada 42 anos.
Por outro lado, as que aparecem a cada 8
anos irão coincidir com os predadores a
cada 24 anos; cigarras que surgem a cada
9 anos coincidirão ainda mais amiúde: a
cada 18 anos”, escreve. Com um ciclo de 17 anos, o
encontro da cigarra com seu predador vai
demorar mais de 100 anos para ocorrer.
O talento de Sautoy para encontrar em
outras ciências e, mesmo no dia a dia,
exemplos de aplicação da matemática foi
apurado durante os anos como estudante da
mesma Universidade de Oxford em que dá
aulas hoje. “O sistema de Oxford encoraja
os estudantes de matemática a interagir
com os de outras áreas. Então eu passei
muito tempo explicando para filósofos,
historiadores e músicos as maravilhas da
minha área de estudo. Acho que foi graças
a essa atmosfera interdisciplinar como estudante
que eu me dei conta de que tinha
uma habilidade para explicar conceitos
da matemática para não-matemáticos”,
diz. “Fiz também muito teatro, acho que é
por isso que eu gosto de fazer programas
de TV sobre matemática. Aliás, acabo de
escrever uma peça chamada X&Y sobre
questões que trabalho na matemática.
Espero levá-la ao Brasil um dia!”
Para quem ainda não se convenceu a ler
o livro, Sautoy, autor também do aclamado
A música dos números primos, lançado
aqui em 2007, dá a chance para o leitor
ganhar US$ 1 milhão. É quanto o empresário
americano Landon Clay oferece para
quem resolver um dos seis “Millenium
Prize Problems” ainda sem solução. O único
deles resolvido até agora, conhecido
como Conjectura de Poincaré, foi solucionado
pelo russo Grigori Perelman em
2002. Em 2010, o Clay Mathematics Institute,
fundado por Landon Clay, anunciou
que Perelman era o vencedor de um dos
prêmios milionários, mas este recusou a
oferta, alegando que o reconhecimento
pela solução era suficiente.
Segundo Sautoy, quem se propuser
a resolver algum dos problemas deve
ter “pensamento lateral”, uma tradução
aproximada de “lateral thinking”, termo
cunhado pelo médico maltês Edward de
Bono para descrever a solução de problemas
através de uma abordagem indireta
e criativa. “Deve ser alguém que possa
olhar para um problema de um novo jeito,
perguntar uma nova questão, encontrar
um método alternativo de solucioná-lo.
Eu acredito ainda que esses problemas
precisam de alguém que possa combinar
toda uma gama de formas matemáticas
de pensar”, afirma o autor.
A recompensa maior, segundo Sautoy,
sempre será a resolução do problema em
si. Perguntado se às vezes não é frustrante
ser um matemático, principalmente quando
não se consegue solucionar um problema,
ele diz: “Com certeza! Mas, de certa forma,
essa também é a graça da coisa. Porque
a excitação e o afluxo de adrenalina que
ocorrem quando você finalmente resolve
um problema que foi tão difícil de solucionar
compensa toda a frustração”.
Referência:
Revista: Unesp Ciência, setembro de 2013 - Ano 5, nº 452013 <http://www.unesp.br/aci_ses/revista_unespciencia/acervo/45/livros>. Acesso em 11 abr 2016.