Vamos hoje entender um pouco de números irricionais pelas ideias de Nilson Machado.
Em relação à cardinalidade dos conjuntos dos racionais e dos irracionais, uma situação concreta, estruturada a partir de uma brincadeira infantil bastante conhecida "a cabra-cega" pode lançar um facho decisivo na comparação que se intenta.
Em relação à cardinalidade dos conjuntos dos racionais e dos irracionais, uma situação concreta, estruturada a partir de uma brincadeira infantil bastante conhecida "a cabra-cega" pode lançar um facho decisivo na comparação que se intenta.
Como se sabe, é muito maior a presença dos racionais nas atividades cotidianas, mesmo as escolares, onde os números irracionais surgem como casos excepcionais. Dentre eles, os transcendentes não parecem passar de três ou quatro exóticos exemplos. Assim, é natural que, a despeito das demonstrações formais de enumerabilidade ou não-enumerabilidade, estabeleça-se uma forte impressão de abundância dos racionais e de escassez de irracionais. Isso pode ser amplamente corrigido com o recurso à cabra-cega.
Imaginemos a reta real estendendo-se como um varal esticado horizontalmente, à altura de nossos olhos. Munidos de uma agulha de ponta bem fina e com os olhos vendados, espetemos um número ao acaso;
Terá sido ele racional ou irracional?
Qual a probabilidade de ser racional?
Qual a probabilidade de ser irracional?
Explorando-se adequadamente tal "experiência de pensamento" ("gedanken-experiment", na expressão de Einstein), é possível construir-se uma ponte consequente que conduza da expectativa inicial da abundância dos racionais, a uma espécie de equilíbrio (instável) entre as duas cardinalidades, passando-se ao fato de que a probabilidade de o número na ponta da agulha ser irracional deve ser muito maior do que a de ser racional, e aportando-se, finalmente, na verdade inexorável: a probabilidade de o número espetado ser racional é zero; a probabilidade de ele ser irracional é um!
Naturalmente, isso não significa que o número na agulha será sempre irracional, nunca racional; inferências desse tipo são válidas em espaços amostrais finitos mas não subsistem em quaisquer espaços. De fato, em linguagem comum, o que se pode afirmar é que quase sempre o número na agulha será irracional, quase nunca será racional.
Naturalmente, isso não significa que o número na agulha será sempre irracional, nunca racional; inferências desse tipo são válidas em espaços amostrais finitos mas não subsistem em quaisquer espaços. De fato, em linguagem comum, o que se pode afirmar é que quase sempre o número na agulha será irracional, quase nunca será racional.
Antes de continuar, destaquemos que os números irracionais podem ser algébricos ou transcendentes. Os irracionais algébricos têm, apesar de tudo, uma "boa origem", na medida em que são sempre raízes de alguma equação algébrica onde todos os coeficientes são números inteiros. Já no caso de um irracional transcendente, não existe equação algébrica com coeficientes inteiros que o tenha como raiz. São números "estranhos", como o π ou o e , ou alguns outros menos conhecidos e, de um modo geral, parecem constituir exceções no universo real.
Prosseguindo-se com a "experiência", imaginemos agora que, de olhos vendados, espetamos um número ao acaso e um observador externo informa-nos que esse número é irracional;
Será ele algébrico ou transcendente?
Qual a probabilidade de o número irracional na agulha ser algébrico?
Qual a probabilidade de ele ser transcendente?
Novamente aqui, a despeito da aparente rarefação dos transcendentes, a resposta correta é: probabilidade zero para a ocorrência de um irracional algébrico; probabilidade um para a ocorrência de um irracional transcendente.
Assim, a experiência da cabra-cega pode, alegoricamente, servir de mote para a compreensão de um fato fundamental a respeito dos números reais, amplamente conhecido, mas freqüentemente situado bem longe da consciência imediata: apesar de, ao longo de toda a vida escolar, não termos contato senão com alguns poucos números transcendentes, quase todos os números reais são irracionais e quase todos os números irracionais são transcendentes.
Machado, Nílson José. A Alegoria em Matemática. Estud. av. vol.5 no.13 São Paulo Sept./Dec. 1991.
Autores das imagens: Desconhecido
Montagem: Matheusmáthica
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