O Quants |
Livro mostra como matemáticos e cientistas da computação quase destruíram o sistema financeiro
A crise financeira que o mercado mundial enfrentou desde 2007 foi causada por modelos matemáticos falhos adotados pelos fundos de investimento, que levaram a uma avaliação irrealista de risco, combinados a níveis insustentáveis de endividamento. Tudo isso não seria possível sem sistemas complexos de computação, que permitiram analisar volumes imensos de dados em tempo real, e fazer apostas automáticas em alta velocidade, baseadas em modelos pré-programados.
Pelo menos essa é a visão trazida pelo livro The quants: How a new breed of math whizzes conquered Wall Street and nearly destroyed it (Crown Business). Em português: Os quants: Como uma nova raça de gênios da matemática conquistou Wall Street e quase a destruiu. O livro escrito por Scott Patterson, jornalista do Wall Street Journal, foi lançado no começo do mês nos Estados Unidos.
Os "quants" são os gênios da matemática que tomaram conta de Wall Street nos últimos anos. Eles baseiam suas apostas em análises quantitativas (daí seu nome), no lugar de análises fundamentalistas, como as que são feitas, por exemplo, por Warren Buffett, segundo homem mais rico do mundo.
Buffett analisa os fundamentos das empresas em que investe, verificando itens como taxa de crescimento, vendas e lucratividade. Na análise quantitativa, as apostas são feitas com base em estatísticas, que alimentam modelos matemáticos complexos, independentes do que cada papel representa fora do mundo financeiro.
Os fundos de hedge, liderados pelos "quants" do título do livro, perderam bilhões de dólares a partir de meados de 2007, quando a crise americana das hipotecas atingiu os mercados. Não seria exagero, no entanto, dizer que eles foram os responsáveis pela crise? "Quando bancos e fundos de hedge começaram a quebrar em 2007 e 2008, eles criaram uma contração maciça de crédito por toda a economia global", afirmou Patterson, em entrevista por correio eletrônico.
O livro conta a história de investidores como Kenneth Griffin, fundador do fundo de hedge Citadel, em Chicago, que, antes da crise, chegou a pagar US$ 80 milhões por uma pintura de Jasper Johns e fazer sua festa de casamento no Palácio de Versalhes, em Paris.
O talento para tecnologia e finanças se manifestou cedo. Quando estava no colegial, Griffin fez trabalhos de programação para a IBM. Antes de completar 18 anos, criou uma empresa de software educacional com um amigo. Logo depois de ingressar em Harvard, criou seu primeiro fundo de investimento, batizado de Convertible Hedge Fund #1, em seu quarto de estudante, depois de levantar US$ 265 mil de amigos e parentes, incluindo a mãe e a avó. Para ter cotações em tempo real, instalou uma antena de satélite no telhado do alojamento, e criou um software para identificar bônus com preços baixos.
A tacada de sucesso veio em 1990, quando Griffin, aos 22 anos, criou o fundo Citadel, com capital de US$ 4,6 milhões. No fim de 2007, administrava US$ 20 bilhões em ativos. Ele quase quebrou com a crise. Em um ano, esse montante havia caído para US$ 10,5 bilhões.
Segundo Patterson, a culpa dos "quants" na crise do subprime não se resumiu à contração de crédito. A engenharia financeira sofisticada desenvolvida por esses gênios matemáticos permitiu agrupar hipotecas de alto risco em papéis financeiros (derivativos) classificados como grau de investimento, com chances remotas de não serem honrados.
Simplificadamente, a ideia por trás disso era que, mesmo se o risco individual de calote de cada hipoteca fosse grande, quando um volume muito grande desses empréstimos era agrupado em um só papel, o risco acabava diluído pois a probabilidade de um grande número de hipotecas deixar de ser pago ao mesmo tempo era remoto.
Mas a probabilidade era pequena somente num ambiente econômico estável, em que as pessoas deixam de pagar os empréstimos por motivos pessoais, como perda de emprego ou doença. Num momento de crise, muitas pessoas se tornam inadimplentes ao mesmo tempo, elevando o risco de uma forma que os modelos matemáticos não conseguiam prever.
Essa análise de risco falha, que não prevê eventos extremos, foi aplicada a todo tipo de investimento pelos "quants", e a situação foi agravada pela alavancagem. Em linguagem corrente, eles fizeram seus investimentos com dinheiro dos outros. Alguns chegavam a empenhar 30 vezes mais capital do que tinham, por acreditar que o risco era praticamente nulo. Quando o crédito secou com a crise das hipotecas, esses investimentos viraram pó.
Como pessoas tão espertas, com doutorado nas melhores faculdades americanas, conseguiram errar tanto? "A resposta mais provável é que, apesar de os "quants" operarem num nível racional, eles não eram invulneráveis a uma emoção humana essencial: a ganância", afirmou Patterson. "Ao colocarem de lado a possibilidade de movimentos abruptos do mercado, eles eram capazes de fazer apostas maiores e usar mais alavancagem. O que pode ser muito lucrativo por um tempo - até o mercado alcançá-los."
A crise de liquidez que tomou os mercados financeiros a partir de agosto de 2007 foi somente o capítulo mais recente de uma história de como a inovação pode trazer efeitos inesperados. O livro mostra como o mercado acionário americano caiu 23% em um único dia, na chamada "segunda-feira negra", em outubro de 1987, por causa de um contrato quantitativo chamado seguro de carteira.
Em 1998, o fundo de hedge Long Term Capital Management (LTCM) quebrou, ameaçando todo o sistema financeiro global. A atuação do LTCM tinha como base a análise quantitativa. Seu conselho diretor incluía Myron Scholes e Robert Merton, ganhadores do prêmio Nobel de Economia de 1997.
Na opinião de Patterson, isso indica que crises como essas vão ocorrer de novo. "Isso totalmente pode e possivelmente acontecerá novamente", disse. "Acho que os reguladores precisariam tornar o sistema bem mais transparente. Ainda hoje não sabemos o que se esconde nos balanços de vários bancos."
Em inglês, "geek" é uma pessoa obcecada por tecnologia e áreas correlatas. Sobre o papel dos gênios matemáticos na crise, o livro traz um aviso de Warren Buffett: "Cuidado com os "geeks" que criam fórmulas".
Pelo menos essa é a visão trazida pelo livro The quants: How a new breed of math whizzes conquered Wall Street and nearly destroyed it (Crown Business). Em português: Os quants: Como uma nova raça de gênios da matemática conquistou Wall Street e quase a destruiu. O livro escrito por Scott Patterson, jornalista do Wall Street Journal, foi lançado no começo do mês nos Estados Unidos.
Os "quants" são os gênios da matemática que tomaram conta de Wall Street nos últimos anos. Eles baseiam suas apostas em análises quantitativas (daí seu nome), no lugar de análises fundamentalistas, como as que são feitas, por exemplo, por Warren Buffett, segundo homem mais rico do mundo.
Buffett analisa os fundamentos das empresas em que investe, verificando itens como taxa de crescimento, vendas e lucratividade. Na análise quantitativa, as apostas são feitas com base em estatísticas, que alimentam modelos matemáticos complexos, independentes do que cada papel representa fora do mundo financeiro.
CULPADOS
Os fundos de hedge, liderados pelos "quants" do título do livro, perderam bilhões de dólares a partir de meados de 2007, quando a crise americana das hipotecas atingiu os mercados. Não seria exagero, no entanto, dizer que eles foram os responsáveis pela crise? "Quando bancos e fundos de hedge começaram a quebrar em 2007 e 2008, eles criaram uma contração maciça de crédito por toda a economia global", afirmou Patterson, em entrevista por correio eletrônico.
O livro conta a história de investidores como Kenneth Griffin, fundador do fundo de hedge Citadel, em Chicago, que, antes da crise, chegou a pagar US$ 80 milhões por uma pintura de Jasper Johns e fazer sua festa de casamento no Palácio de Versalhes, em Paris.
O talento para tecnologia e finanças se manifestou cedo. Quando estava no colegial, Griffin fez trabalhos de programação para a IBM. Antes de completar 18 anos, criou uma empresa de software educacional com um amigo. Logo depois de ingressar em Harvard, criou seu primeiro fundo de investimento, batizado de Convertible Hedge Fund #1, em seu quarto de estudante, depois de levantar US$ 265 mil de amigos e parentes, incluindo a mãe e a avó. Para ter cotações em tempo real, instalou uma antena de satélite no telhado do alojamento, e criou um software para identificar bônus com preços baixos.
A tacada de sucesso veio em 1990, quando Griffin, aos 22 anos, criou o fundo Citadel, com capital de US$ 4,6 milhões. No fim de 2007, administrava US$ 20 bilhões em ativos. Ele quase quebrou com a crise. Em um ano, esse montante havia caído para US$ 10,5 bilhões.
Segundo Patterson, a culpa dos "quants" na crise do subprime não se resumiu à contração de crédito. A engenharia financeira sofisticada desenvolvida por esses gênios matemáticos permitiu agrupar hipotecas de alto risco em papéis financeiros (derivativos) classificados como grau de investimento, com chances remotas de não serem honrados.
Simplificadamente, a ideia por trás disso era que, mesmo se o risco individual de calote de cada hipoteca fosse grande, quando um volume muito grande desses empréstimos era agrupado em um só papel, o risco acabava diluído pois a probabilidade de um grande número de hipotecas deixar de ser pago ao mesmo tempo era remoto.
Mas a probabilidade era pequena somente num ambiente econômico estável, em que as pessoas deixam de pagar os empréstimos por motivos pessoais, como perda de emprego ou doença. Num momento de crise, muitas pessoas se tornam inadimplentes ao mesmo tempo, elevando o risco de uma forma que os modelos matemáticos não conseguiam prever.
Essa análise de risco falha, que não prevê eventos extremos, foi aplicada a todo tipo de investimento pelos "quants", e a situação foi agravada pela alavancagem. Em linguagem corrente, eles fizeram seus investimentos com dinheiro dos outros. Alguns chegavam a empenhar 30 vezes mais capital do que tinham, por acreditar que o risco era praticamente nulo. Quando o crédito secou com a crise das hipotecas, esses investimentos viraram pó.
Como pessoas tão espertas, com doutorado nas melhores faculdades americanas, conseguiram errar tanto? "A resposta mais provável é que, apesar de os "quants" operarem num nível racional, eles não eram invulneráveis a uma emoção humana essencial: a ganância", afirmou Patterson. "Ao colocarem de lado a possibilidade de movimentos abruptos do mercado, eles eram capazes de fazer apostas maiores e usar mais alavancagem. O que pode ser muito lucrativo por um tempo - até o mercado alcançá-los."
HISTÓRIA
A crise de liquidez que tomou os mercados financeiros a partir de agosto de 2007 foi somente o capítulo mais recente de uma história de como a inovação pode trazer efeitos inesperados. O livro mostra como o mercado acionário americano caiu 23% em um único dia, na chamada "segunda-feira negra", em outubro de 1987, por causa de um contrato quantitativo chamado seguro de carteira.
Em 1998, o fundo de hedge Long Term Capital Management (LTCM) quebrou, ameaçando todo o sistema financeiro global. A atuação do LTCM tinha como base a análise quantitativa. Seu conselho diretor incluía Myron Scholes e Robert Merton, ganhadores do prêmio Nobel de Economia de 1997.
Na opinião de Patterson, isso indica que crises como essas vão ocorrer de novo. "Isso totalmente pode e possivelmente acontecerá novamente", disse. "Acho que os reguladores precisariam tornar o sistema bem mais transparente. Ainda hoje não sabemos o que se esconde nos balanços de vários bancos."
Em inglês, "geek" é uma pessoa obcecada por tecnologia e áreas correlatas. Sobre o papel dos gênios matemáticos na crise, o livro traz um aviso de Warren Buffett: "Cuidado com os "geeks" que criam fórmulas".
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Autores da imagens: Desconhecido
Montagem: Matheusmáthica
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