segunda-feira, 18 de abril de 2011

“Qualquer um pode aprender bem Matemática”

Professor Luciano Castro
O Professor, Luciano Castro, fala sobre estratégias para vencer a resistência em relação à disciplina, dos gargalos para o ensino da Matemática

Estudantes, mostra que é possível despertar interesse nos alunos, em relação à matéria. “Quando enfocamos a Matemática de maneira mais divertida, ainda que desafiadora, despertamos maior interesse”, disse Luciano Castro, um dos coordenadores nacionais da Olimpíada, e deixa uma mensagem de estímulo a quem tem medo dos números: “qualquer um pode aprender bem a Matemática.”

FOLHA DIRIGIDA — COMO AVALIA A REALIZAÇÃO DA OLIMPÍADA BRASILEIRA DE MATEMÁTICA, ESTE ANO?

Luciano Castro — Até aqui foram realizadas as primeiras fases tanto da OBMEP (Escolas Públicas) como da OBM (Escolas Públicas e Particulares). Ambas as provas tiveram nível de dificuldade acima da média, mas cumpriram o papel de apresentar questões criativas e interessantes, mostrando o lado lúdico da Matemática.

— ESTE ANO, A PARTICIPAÇÃO FOI RECORDE. ISTO SIGNIFICA QUE OS JOVENS, DE MANEIRA GERAL, ESTÃO MAIS INTERESSADOS EM APRENDER A DISCIPLINA?

Sim. Significa que quando enfocamos a Matemática de maneira mais divertida, ainda que desafiadora, despertamos maior interesse por parte dos jovens.

QUE TIPO DE ATIVIDADES AS ESCOLAS PODEM COLOCAR EM PRÁTICA PARA TRABALHAR A MATEMÁTICA FORA DO TRIVIAL DA SALA DE AULA?

Uma estratégia interessante é a de usar jogos. Um que utilizo muito para motivar o tema divisibilidade é o seguinte: de uma pilha com inicialmente 50 palitos, dois jogadores retiram alternadamente um número inteiro de palitos de 1 a 5. Aquele que retirar o último palito vence (ou quem não puder mais jogar perde). Após jogarem algumas vezes, os alunos vão percebendo que a estratégia vencedora é deixar múltiplos de 6 para o adversário. Pequenas variações nas regras e nas quantidades de palitos nos permitem explorar outras propriedades dos números inteiros. A grande vantagem deste tipo de atividade é que mesmo alunos normalmente pouco interessados em Matemática entram no clima do jogo e motivam-se a aprender como ganhar.

PODERIA CITAR OUTRAS ESTRATÉGIAS NESTA LINHA?

Sim. Outra interessante é o uso de quebra-cabeças. Há diversas opções, de variados níveis de dificuldade. Por exemplo, há uma série de quebra-cabeças clássicos que consistem em deslizar peças de madeira. Em sessão recente de treinamento com a equipe brasileira para a Olimpíada Internacional de Matemática, sugeri aos alunos que construíssem um desses com papel cartão. Atividades como esta desenvolvem aspectos matemáticos e não matemáticos. Outra atividade muito boa para trabalhar aspectos da disciplina é a construção de objetos bidimensionais e tridimensionais. Manipulação de objetos concretos é um recurso muito utilizado na pré-escola e no primeiro segmento do Ensino Fundamental, mas lamentavelmente vai deixando de ser adotado. Existe uma enorme diferença entre aprender vendo desenhos no quadro ou em livros e observar um objeto concreto resultado do esforço próprio.

— O SENHOR É UM DOS COORDENADORES DAS OLIMPÍADAS DE MATEMÁTICA BRASILEIRAS. QUAL A IMPORTÂNCIA DESTE TIPO DE ATIVIDADE PARA APROXIMAR OS ALUNOS DA MATEMÁTICA?

Ao mostrar um lado da Matemática em geral pouco explorado no currículo tradicional, atingimos alunos que pensavam não gostar da matéria mas que passam a olhá-la com outros olhos. Também atingimos os alunos mais talentosos, às vezes pouco desafiados em suas escolas, ajudando-os a descobrir novos desafios.

— NAS AVALIAÇÕES DE ESTUDANTES, REALIZADAS NO BRASIL, OS PIORES DESEMPENHOS OCORREM SEMPRE NA PARTE DE MATEMÁTICA. QUAL O PRINCIPAL PROBLEMA DO ENSINO DA DISCIPLINA EM NOSSAS ESCOLAS?

O maior problema é a falta de professores qualificados e motivados. Os alunos querem aprender, eles só precisam de oportunidades. A boa notícia é que tem havido excelentes iniciativas para solucionar este problema. Entre elas, deve-se destacar o programa iniciado há 20 anos e coordenado até hoje pelo professor Elon Lages Lima, um dos matemáticos mais produtivos e respeitados do Brasil. Trata-se do programa Programa de Aperfeiçoamento para Professores de Matemática do Ensino Médio (Papem), que atinge cerca de 5.000 professores no Brasil via tecnologia de ensino a distância, com 26 centros de retransmissão no país. A Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep) também dedica parte de seus recursos humanos e financeiros ao aperfeiçoamento de professores em todo Brasil.

— MATEMÁTICA É A DISCIPLINA COM A QUAL OS ESTUDANTES, EM GERAL, TÊM MAIS DIFICULDADES. POR QUE ISTO ACONTECE?

A principal dificuldade está relacionada ao clássico ciclo vicioso: “Não gosto porque não entendo. Não entendo porque não me dedico. Não me dedico porque não gosto.”

— O QUE É FUNDAMENTAL PARA ROMPER ESTE CÍRCULO VICIOSO? QUALQUER PESSOA PODE APRENDER BEM A MATEMÁTICA?

Sim, qualquer pessoa pode aprender bem a Matemática. O ciclo vicioso rompe-se mais facilmente na parte do “não gosto”. Partindo de situações do interesse do aluno, como jogos ou problemas do cotidiano, podese despertar o gosto pela matéria, de preferência sem sequer dizer a ele que aquilo é Matemática. Após algumas experiências bem sucedidas, o prazer pelo pensamento matemático é desenvolvido quase sem perceber. Por exemplo, há uma observação que faço com frequência em aulas e palestras, e a reação bem humorada da audiência indica que muitos percebem o mesmo. A Matemática fica magicamente mais simples em duas situações: quando mexe com a nota ou com o bolso do aluno. Já vi muitos alunos com dificuldade em Matemática fazerem com precisão contas complicadas com médias ponderadas para saberem corretamente quanto precisam tirar numa prova final para serem aprovados.

— A DIFICULDADE COM OS NÚMEROS É UM PROBLEMA SÓ DE ENSINO DA MATEMÁTICA?

Eu acredito no esforço e dedicação como fundamentos para o progresso humano em qualquer área. Há quem defenda  a importância de conceitos comotalento natural, vocação ou dom. Para mim, mesmo que tais coisas existam, sua relevância é mínima comparada ao trabalho com foco. Já vi muitos alunos aparentemente talentosos renderem pouco por falta de dedicação. Mas todos, absolutamente todos os alunos empenhados que conheci tornaram-se, no longo prazo, grandes destaques em suas áreas de atuação. Parece que fugi à pergunta, mas creio que não. A dificuldade com os números é, em última instância, um problema do indivíduo, e só o próprio indivíduo tem o poder de superá-lo. Acredito que o papel da educação é fornecer apoio e ferramentas para que as pessoas possam desenvolver-se. Mas o último responsável pelo aprendizado é sempre o aluno. Em resumo, o ensino de Matemática tem que melhorar muito, mas o problema é mais profundo do que isso.

— QUE OUTRAS HABILIDADES PODEM SER DESENVOLVIDAS AO LONGO DA VIDA ESCOLAR, ATÉ MESMO EM OUTRAS DISCIPLINAS, QUE FACILITEM O APRENDIZADO DA MATEMÁTICA?

Em primeiro lugar, aprender a pensar. A maneira como se encara um problema, seja de Matemática ou não, é fundamental para a capacidade de resolvê-lo. Em meu primeiro contato com a maioria dos alunos de 13 a 20 anos de idade, proponho-lhes um problema e a reação é a mesma: eles dizem “não sei” sem se dar a menor oportunidade de pensar, de desenvolver alguma ideia que o aproxime de uma solução. Devemos eliminar esse pensamento tão comum entre os estudantes de que o conhecimento da escola é imediatista, de que as respostas são obtidas externamente e de forma instantânea. Se incentivarmos os jovens adequadamente, eles perceberão que são capazes de aprender e realizar muito mais do que imaginam. Além disso, disciplinas como artes plásticas e ciências são críticas no desenvolvimento de habilidades cognitivas relacionadas à Matemática.

“a beleza da Matemática não é para poucos, 
mas para todos”

— O BOM DOMÍNIO DOS CONHECIMENTOS MATEMÁTICOS CONTRIBUI PARA O APRENDIZADO DE OUTRAS DISCIPLINAS, MESMO DAS QUE NÃO SÃO DA ÁREA DE EXATAS?

Com certeza, o domínio da Matemática contribui, e muito, para o aprendizado de qualquer outra disciplina. O desenvolvimento do pensamento lógico, de noções corretas de causa e consequência, de premissas e conclusões, a capacidade de identificar falhas de argumentação, são exemplos de habilidades desenvolvidas pela Matemática e que são úteis em qualquer área do conhecimento humano. Isso sem contar a notável influência do estudo da Matemática no desenvolvimento cerebral e mental.

— COMO UM PROFESSOR PODE ENSINAR MATEMÁTICA DE FORMA PRAZEROSA?

Em primeiro lugar, é necessário conhecer os alunos, entender que tipo de conhecimento eles já trazem. Depois, é preciso encontrar perguntas que sejam de seu interesse, e ajudá-los a perceber como a Matemática pode ser útil para responder a suas curiosidades naturais. De preferência, devem ser escolhidas perguntas divertidas além de interessantes. Uma área muito propícia é a de jogos (principalmente envolvendo números e formas geométricas).

— O COMPUTADOR PODE SER UM BOM ALIADO PARA DINAMIZAR E TORNAR MAIS AGRADÁVEL O APRENDIZADO DA MATÉRIA? COMO?
Sim. Há muitas maneiras, mas por razões de espaço (e tempo) citarei duas: Os programas conhecidos como “de Geometria Dinâmica” são ferramentas absolutamente indispensáveis hoje em dia para o estudo da Geometria. É o bom e velho desenho geométrico levado a uma nova dimensão, pois as figuras construídas podem ser  facilmente modificadas com simples movimentos do mouse. Mas, as modificações preservam as relações previamente estabelecidas entre os elementos geométricos, de forma que pode-se observar claramente as características que são preservadas por tais relações. Um exemplo é o Geogebra: www.geogebra.org (software livre, grátis e multiplataforma).


— QUAL SERIA A OUTRA FORMA?

O segundo exemplo que quero citar é o dos algo ritmos de programação. Quando apareceram os computadores pessoais, o usuário tinha que saber programar. Hoje em dia, os sistemas operacionais estão tão avançados que pode-se passar a vida inteira usando um computador sem nunca saber o que é programação. Pois, isso é exatamente o que torna a programação tão fascinante para os jovens: a descoberta de que eles podem controlar o computador, e instruí-lo a fazer o que eles quiserem. Mas, para isso, é preciso conhecer bastante Matemática.

— A FORMA COMO A MATEMÁTICA É COBRADA NOS VESTIBULARES CONTRIBUI PARA A AVERSÃO QUE OS ESTUDANTES TÊM PELA DISCIPLINA?

Os vestibulares mais concorridos, especialmente no Rio de Janeiro e São Paulo, há muitos anos vêm cobrando Matemática de maneira interessante e estimulante. Não acho que sejam o problema.

— COMO AVALIA A FORMA PELA QUAL A DISCIPLINA FOI COBRADA NO ENEM, NO ANO PASSADO? ISTO DEVE INFLUENCIAR AS ESCOLAS POSITIVA OU NEGATIVAMENTE?

A prova do Enem foi bem elaborada, cobrando o que já havia sido anunciado. O nível de exigência foi adequado, até acima do que muitos esperavam. Quanto à influência sobre as escolas, minha opinião é a seguinte: O Enem é um exame muito limitado para exercer influência significativa sobre as escolas.

POR QUE?

Falando especificamente sobre Matemática, a escola deve ensinar muito, mas muito mais Matemática do que a que é cobrada pelo Enem. Em outras palavras, se uma escola se deixar influenciar significativamente pelo Enem, tal influência será necessariamente negativa. Não porque o Enem seja negativo, mas porque o papel da escola vai muito, muito além do que preparar seus alunos para um exame ou vestibular.

— NOS ÚLTIMOS ANOS, HÁ UMA TENDÊNCIA DE BUSCA POR MAIOR CONTEXTUALIZAÇÃO NA ABORDAGEM DOS TEMAS DA MATEMÁTICA EM PROVAS. COM ISTO, EM GERAL, AS QUESTÕES ACABAM POR SER MENOS COMPLEXAS. ISTO NÃO INCENTIVA UM ESTUDO MENOS APROFUNDADO DA MATÉRIA? É A FORMA MAIS ADEQUADA?

Não devemos confundir contextualização com complexidade. Boa parte dos problemas mais difíceis da história da Matemática, inclusive alguns que continuam em aberto até hoje, são problemas contextualizados. Um bom exemplo é a pergunta: “Qual o número mínimo de cores necessárias para se pintar um mapa, se não queremos que regiões com fronteira sejam pintadas da mesma cor?”, que, após décadas em aberto, só foi resolvida recentemente com grande ajuda de computadores (o número é 4). A contextualização bem feita é sem dúvida a melhor forma de ensinar qualquer coisa, não só Matemática. O problema que temos visto em algumas tentativas de  contextualização são questões mal formuladas que às vezes fornecem 15 ou 20 linhas de texto totalmente inúteis para a resolução do problema proposto.

— OUTRA TENDÊNCIA, DOS DIAS DE HOJE, É A INTERDISCIPLINARIDADE. ELA TEM SIDO TRABALHADA DE FORMA ADEQUADA COM RELAÇÃO À MATEMÁTICA? OS PROFESSORES, EM GERAL, FAZEM AS CONEXÕES MAIS INTERESSANTES COM OUTRAS ÁREAS DO SABER, COMO FÍSICA E QUÍMICA?

Os melhores professores de Matemática têm praticado interdisciplinaridade e contextualização há muitos séculos. A ciência utiliza a Matemática como linguagem e como ferramenta, e é natural que muitos problemas relevantes de Matemática tenham sido motivados por outras disciplinas. Além da Física e da Química, devemos citar Biologia, Geografia, Economia e Informática como excelentes fontes de ideias para a Matemática. Mas, devemos entender que a interdisciplinaridade e a contextualização têm de ser naturais, não podem ser forçadas. E é impossível aprender Matemática sem foco, de forma que a maior parte do tempo deve ser dedicado ao conhecimento puramente matemático, após a relevante motivação oferecida por outras áreas.

— NOS CURSOS DA ÁREA DE EXATAS, É COMUM O ÍNDICE DE REPROVAÇÕES SER ALTO, PELA FALTA DE BASE COM A MATÉRIA. AS PROVAS DOS VESTIBULARES, A SEU VER, DEVERIAM SER MAIS EXIGENTES, PARA GARANTIR QUE QUEM CHEGASSE À FACULDADE TIVESSE TODAS AS CONDIÇÕES DE SE SAIR BEM NO INÍCIO DO CURSO?

Provas mais exigentes não garantem que quem chega à faculdade tenha todas as condições de se sair bem no início do curso. O que garante isso é uma boa formação construída ao longo de vários anos, especialmente nos três anos de Ensino Médio. Os vestibulares e processos seletivos, enquanto forem feitos da maneira que são, sem levar em conta o histórico do aluno, devem ser elaborados de formaa diferenciar bem os candidatos que se apresentam. Provas muito difíceis tendem a diferenciar mal, pois as notas ficam todas muito baixas.

— EM FUNÇÃO DAS REPROVAÇÕES NA FASE INICIAL DOS CURSOS DA ÁREA DE EXATAS, SERIA IMPORTANTE AS UNIVERSIDADES TEREM MÓDULOS, DURANTE OS CURSOS, PARA REVISÃO E ATÉ APRENDIZADO DE PONTOS QUE PERMITAM AO ESTUDANTE NÃO TEREM DIFICULDADES NO INÍCIO DO CURSO?

Isto é exatamente o que muitas universidades estão fazendo. É importante oferecer oportunidades para quem tem interesse, mesmo que sua formação tenha sido falha.

— EM ARTIGO RECENTE, PUBLICADO PELA FOLHA DIRIGIDA, O SENHOR FALA DA PAIXÃO EM APRENDER MATEMÁTICA. O QUE É FUNDAMENTAL PARA DESPERTAR ESTA PAIXÃO?

Essa paixão é contagiosa. Se você conviver durante algum tempo com alguém apaixonado por Matemática, inevitavelmente vai começar a ver a matéria com outros olhos. Porque a beleza da Matemática não é para poucos, mas para todos. É uma questão de oportunidade. Não é à toa que entre as típicas correntes de email que circulam pela internet, vemos, de vez em quando, um problema ou curiosidade Matemática. Quando as pessoas são expostas a algo curioso sobre Matemática, elas gostam. Então, o fundamental é expor as pessoas às belezas da Matemática, e a paixão será despertada naturalmente.


Caro leitor, qual é a parte do texto que você concorda com o profº LUCIANO?  E qual você discorda? Por quê? 
Gostaria de acrescenta algo?
Participe, deixe seu comentário.



Referência:

FOLHA DIRIGIDA - Cardeno de Educação,10 a 16 de agosto de 2010. 

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